25 de dezembro, dia de Natal. O que significa isso? A confiar na propaganda, é dia de dar presentes e de comer e beber bastante.
Mas é só isso?
A celebração natalina é essencialmente cristã. Ou seja: é a data reservada a recordar o nascimento de um pequenino judeu, filho de uma jovem e de seu marido, um humilde carpinteiro, cuja chegada a este planeta mudou o curso da História.
Boa parte do mundo se autodenomina cristã. A civilização ocidental é considerada tributária do cristianismo. Qual o significado de tal opção?
O Jesus nascido em Belém viveu na obscuridade, na oficina do pai, até os trinta anos. Aí começou a sua vida pública. Em três anos, deixou lições atemporais. Todas elas ainda têm relevo extremo para corrigir nossa maneira de conviver.
Quem é que hoje consegue agir como o bom samaritano? Indivíduo de outra ideologia, que se condói de uma vítima de assalto, abandonada e gravemente ferida à margem da estrada. Por ali passaram pessoas gradas e da mesma etnia. Não se detiveram. Foi o samaritano que socorreu o desvalido, levou-o até o lugar em que cuidariam dele e pagou por isso.
Somos bons samaritanos ou fariseus, sepulcros caiados, quando ignoramos os moradores de rua, os catadores de lixo, os despossuídos que pululam e que para nós parecem invisíveis?
O Cristo não distinguia as pessoas por sua fortuna, raça, credo, cor ou sexo. Defendeu a prostituta que estava prestes a ser apedrejada, pedindo que a primeira pedra fosse desferida por quem nunca tivesse pecado.
Curou enfermos. Fez cegos enxergarem, aleijados andarem. Ressuscitou seu amigo Lázaro, por quem chorou. E a filha de um dignitário que já morrera, mas Ele disse que a menina só estava adormecida.
Alimentou multidões, a pedido de Sua mãe supriu de vinho de primeiríssima qualidade a festa de casamento na qual a bebida faltara. Mas sabia que estava tratando com uma espécie muito estranha. Não colheu só ingratidão. Foi alvo de intriga, vítima de crimes contra a honra.
A mesma multidão que uma semana antes o aclamava como “o filho de Davi”, exigia a sua crucifixão na sexta-feira da paixão. Tinha noção disso tudo. Afinal, era Deus. Deus feito homem. Supliciado, escarnecido, teve de carregar sua cruz até o morro do calvário e ali, pregado ao lenho, entregou sua alma ao Pai.
Ressuscitou ao terceiro dia. Surgiu para os seus discípulos e para sua mãe e as mulheres que a acompanhavam. Um deles, Tomé, não estava presente e recusou crédito à narrativa dos companheiros. Ele veio de novo e mandou Tomé tocar suas chagas, para só então ouvir do apóstolo, aquilo que ainda se repete hoje: “Meu Senhor e Meu Deus”.
Foram inúmeros sinais de sua ressurreição. Os discípulos de Emaús, que o não reconheceram de início. A belíssima passagem do “Quo Vadis Domini”, quando ele apareceu para Pedro, que tentava fugir ao martírio. Indagado por aquele que seria o chefe da Igreja, sobre o seu destino – a pergunta “para onde vais, Senhor?” – respondeu que iria se submeter novamente à paixão e morte. Pedro caiu em si e voltou para ser crucificado de cabeça para baixo.
Tudo isso pertence à História e é por esse motivo que os primeiros cristãos eram identificados por viverem como irmãos: “Vede como se amam!”.
E hoje? Nós cristãos, vivemos em fraternidade? Famílias de sangue se digladiam por dinheiro ou por opções políticas. A intolerância é a regra, o sarcasmo, o deboche, a zombaria. A mais cruel falta de caridade em relação aos despossuídos.
A esperança de um renascimento da fé dos primeiros convertidos ressurge a cada Natal. Mas a cada Natal também se constata o esquecimento do significado dessa celebração. Ninguém deixa de pensar em presente, em comilança, em festejos, em confraternizações grupais. O consumismo impera. Só que o sentido do Natal parece perdido nos desvãos da memória coletiva.
Não se generalize. Ainda há nichos afeiçoados à verdade evangélica, dos que não se olvidam do aniversariante. Ele não quer presentes como aqueles que costumamos comprar para as pessoas das quais gostamos. Ele gostaria de que o nosso coração se enternecesse e tivesse comiseração diante da situação dos carentes, dos despossuídos, dos desvalidos da sorte, dos abandonados à margem da estrada triunfal do capitalismo selvagem.
Como milagres acontecem – o que nem sempre conseguimos perceber – não é demais pedir ao Menino que ocorram reconversões neste Natal de 2021. O mundo precisa – como nunca – de comunhão entre os humanos, para enfrentar os incríveis desafios postos em nosso horizonte.
Feliz Natal a todos e muita paz aos homens de boa vontade!
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022
Por José Renato Nalini