‘Nobody’s Hero’ abriu a seção Panorama da edição 2022 do evento cinematográfico
Alain Guiraudie acompanhou recentes ataques terroristas na França à distância, já que o lugar onde mora nunca foi afetado. “Como todos, fiquei cheio de ansiedade. Mas aí também me lembro de assistir por horas um jornalista que não tinha nada para mostrar e que nem sabia exatamente o que estava acontecendo, falando, falando. A situação me pareceu bem absurda”, disse o cineasta em entrevista ao Estadão, por videoconferência. Foi esse sentimento que o levou a dirigir Nobody’s Hero (“herói de ninguém”, na tradução livre do inglês), que abriu a mostra Panorama no Festival de Berlim.
Seu novo filme não poderia ser mais diferente de sua obra mais conhecida, Um Estranho no Lago, que lhe rendeu o prêmio de direção na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes de 2013 e conta a história de Franck (Pierre Deladonchamps), que se apaixona por um homem potencialmente perigoso em uma praia usada para encontros.
Aqui, Guiraudie apostou em uma comédia. “Eu acho que o gênero permite que nos distanciemos um pouco das coisas que estão acontecendo na realidade”, disse o diretor. Depois de um atentado em Clermont-Ferrand, Méderic (Jean-Charles Clichet) dá abrigo ao jovem de origem árabe Selim (Ilies Kadri), mas também teme que ele seja um dos terroristas. A presença do rapaz no edifício provoca compaixão de alguns e medo em outros. Enquanto isso, Méderic também enfrenta o marido da prostituta Isadora (Noémie Lvovsky), por quem ele está apaixonado. Não é a única história de amor complicada do longa.
Em um momento em que a extrema-direita francesa, a poucos meses das eleições presidenciais de abril, procuram novamente transformar imigrantes em vilões, Guiraudie optou por abordar o preconceito, mas também um lado mais humano do problema. “Durante a campanha, há muita discussão sobre isso, a direita e a extrema-direita conseguem muito espaço falando sobre o tema”, disse o cineasta. “Sabemos que há muita divisão ideológica. Ao mesmo tempo, se você vive em um prédio e há um garoto muçulmano sem teto na sua porta, a humanidade fala mais alto e você acaba ajudando, não importa quais sejam suas crenças políticas. Eu gosto de trabalhar esses preconceitos e mostrar a complexidade de nossas vidas e da sociedade em que vivemos.”
Por Mariane Morisawa