Genival Mota*
Dias desses entrei na minha biblioteca e ouvi algo estranho e não conseguia identificar; parecia o som de muitas vozes que surgiam dos livros. Sentei-me à mesa e apurei os ouvidos; percebi que os ruídos procediam de uma prateleira onde estavam as gramáticas. Levantei-me da cadeira, na ponta dos pés evitando fazer qualquer barulho e me aproximei o quanto pude e colei o ouvido na porta da estante de livros.
O que você vai ler agora foi o que ouvi e fiquei tão estupefato que me vi obrigado a compartilhar para aliviar minhas indagações. Talvez no final da leitura você possa dizer: isto não pode ser! E eu direi: Não pode ser, mas é!
Preste atenção ao diálogo, discussão entre os pontos gramaticais:
– “Não sei por que você está sempre com essa cara de interrogação? Parece que é para dar uma de importante. Ou será para disfarçar a atitude suspeita em que se encontra? Só pode ser isso”.
– “Quem é exibido é você que está constantemente em posição de exclamação! É o eterno alegrinho do grupo; irrita-me a sua falsidade, esse sorriso amarelo. O disfarce é sua estratégia”.
– “O bom mesmo é ser ponto e vírgula; tenho a liberdade de ficar em vários lugares e não chamar a atenção; sou tão humilde que às vezes me orgulho da própria humildade. Agora vocês estão sempre em atitude suspeita”.
– “Vejo que o mais importante do grupo sou eu mesmo: quando se usa dois pontos todos prestam atenção: Eu sou tão bom que sou duplo. Comigo não tem essa de atitude suspeita não. É o seguinte: ou se explica ou cai fora”.
– “Eu já acho que você é duplo pra ver se consegue fazer o papel de um. Porque eu que sou sozinho sou mais poderoso que você. Comigo não tem essa de atitude suspeita não. Porque eu ponho logo o ponto final na conversa”.
– “Opa, alto lá! Nada de ponto final; porque a vida continua… O mais importante da turma sou eu e meu nome é reticência… Pontinho, pontinho e pontinho. Depois de mim tudo pode acontecer… Até atitudes suspeitas…”
No meio desta discussão na oficina da linguagem entrou Homero e com seu gênio lançou mão de todos os pontos e os distribuiu na Ilíada e na Odisséia. Deu de presente a cada leitor Ulisses, Heitor, Aquiles, Helena, Penélope, Telêmaco e muito mais. E todos os poetas seguiram seu exemplo. Mas muitos dizem que os poetas sempre estão em atitude suspeita.
(*) Genival Mota, doutor em Letras pela UNESP, Mestre em Letras pela UEMS, formado em Historia e Jornalismo pela UFMS. Autor entre outros de: “O Menino que Ensina Omo Gostar de Ler”; “O Que Aprendemos com O Pequeno Príncipe”; “O Que Aprendermos com Alice no País das Maravilhas”; “A Caverna Ilu-minada”; Coração de Aprendiz; “Vagabundagens: romance que Manoel de Barros (não) escreveu”.