Por Genival Mota*
Os livros mais vendidos hoje são os de autoajuda. Aqueles que se propõem a mostrar o caminho da felicidade em alguns passos. Por que antigamente não havia livros de autoajuda?
Porque na leitura dos clássicos as pessoas encontravam a ajuda que precisavam e muito mais. Nos clássicos temos informações sólidas, consistência cultural e um estilo literário de alto nível.
O clássico é clássico porque resistiu à passagem do tempo. Apesar dos anos continua atual. É um livro vencedor. Venceu a crítica, venceu o desprezo inicial dos contemporâneos, venceu a disputa com outros volumes, venceu a hipocrisia e até a superficialidade dos leitores.
Um livro clássico é aquele que nunca terminou de dizer o que tem para dizer, como observou Italo Calvino. Sempre permite novas leituras e interpretações. Um ótimo exemplo é a Odisseia, de Homero.
Ulisses o personagem central nos mostra que precisamos ter um Projeto de Vida. Ele sai de Ítaca, precisa vencer Tróia e retornar para sua cidade e família. Ensina-nos a lidar com as perdas. No caminho, durante os dez anos que demorou, para retornar de Tróia após a guerra, perdeu pessoas e bens.
Todos nós enfrentamos batalhas. A luta dos gregos contra os troianos é representativa dos nossos conflitos; das traições que sofremos; das estratégias que temos de usar. Às vezes é preciso “dar um cavalo” de presente para poder avançar e conquistar.
Em Ulisses temos a representação da coragem, da resistência e da astúcia. Assim como ele enfrentou Ciclopes – gigantes com um olho no meio da testa – nós também precisamos vencer “monstros” no cotidiano.
O herói grego precisou se amarrar no mastro do navio para não ser arrastado pelo canto das sereias. Ele tinha um objetivo: voltar para os seus. Nós também temos que ter foco e não se afastar do alvo a ser alcançado.
Homero narra uma história no mar. Estamos sempre nesta luta em busca de terra firme. Queremos nos sentir seguros. Buscamos um porto para ancorar nossa embarcação. Mas antes disso temos que vencer ventos e tempestades. Curtir a pele ao sol e sentir o gosto do sal do oceano. Não podemos deixar os contratempos impedir nossa viagem.
Acreditar que nossa mensagem poderá chegar até em lugares que não conhecemos; Homero escreveu tendo em mente algum leitor desconhecido; não escreveu apenas para os gregos, e sim para todos nós.
Aprendemos que pessoas comuns podem vencer na vida. Homero era um poeta de classe social inferior; graças à sua origem comum, consegue cativar leitores de todas as camadas sociais.
A Odisseia mostra a força da mulher. Toda a trama começou por causa de uma mulher; o rapto de Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, pelos troianos. E termina com Ulises voltando para os braços da sua Penélope que resistiu às investidas dos pretendentes.
Percebemos a importância do amor; foi pelo amor que tinha a Ulisses que Penélope o esperou por tanto tempo sem desanimar nem desistir. E foi pelo amor que Ulisses tinha pela esposa, que resistiu às seduções da princesa da ilha de Calipso, que lhe ofereceu a imortalidade e a eterna juventude.
Como esquecer a tocante cena do animal fiel ao dono. O velho cão de Ulisses o reconheceu apesar da sua aparência de mendigo, resultado das dificuldades encontradas no caminho de volta. Ler a Odisseia nos prepara para amar e sermos vencedores.
*Genival Mota, doutor em Letras pela UNESP, Mestre em Letras pela UEMS, formado em Historia e Jornalismo pela UFMS. Autor entre outros de: “O Menino que Ensina Omo Gostar de Ler”; “O Que Aprendemos com O Pequeno Príncipe”; “O Que Aprendermos com Alice no País das Maravilhas”; “A Caverna Ilu-minada”; Coração de Aprendiz; “Vagabundagens: romance que Manoel de Barros (não) escreveu”.