Anualmente 18% da população adulta brasileira recorre à Justiça na ânsia de terceiros resolverem seus conflitos. Já as despesas para a manutenção da máquina judiciária ultrapassaram o patamar de R$ 1 bilhão em 2019[1], ou seja, um quarto do valor gasto com toda a educação básica no mesmo ano.
Por óbvio, devemos reconhecer a importância do Poder Judiciário e do amplo acesso à Justiça para o nosso Estado Democrático de Direito. Não há dúvida que ambos são peças fundamentais na garantia de nossos direitos, principalmente no atual cenário pátrio.
Igualmente, não há que se falar de baixa produtividade. Nossos Juízes estão entre os 3 mais produtivos no mundo e mesmo assim continuamos com o gargalo na prestação jurisdicional.
Nesse contexto, de qual maneira combater o alto índice de litigiosidade sem tolher os cidadãos do amplo acesso à justiça garantido pela Constituição Federal?
É inegável o empenho do legislador e do judiciário em estimular a mediação e conciliação, traduzidos na obrigatoriedade das audiências de conciliação e na multiplicação dos CEJUSCs, unidades do Poder Judiciário focadas na solução de conflitos. A despeito desses e outros esforços, os números de conciliação na justiça permaneceram inalterados.
Precisamos pensar em soluções fora do Poder Judiciário, é fundamental distinguir acesso à justiça de acesso ao judiciário. Cabe ao Estado com o auxílio da sociedade (empresas e cidadãos) possibilitar a célere resolução dos conflitos, sem a intervenção mandatória do Juiz.
Ou seja, o papel do Estado está em estimular a autocomposição, como verdadeiro filtro e catalizador da prestação jurisdicional e por esse motivo deve fazê-lo, também, fora do Poder Judiciário. A adoção de políticas públicas que incentivem a autocomposição na educação básica e desenvolvam ambiente seguro capaz de aproximar e igualar cidadãos e empresas para que estes tentem solucionar problemas antes de se valer do Judiciário, são quesitos fundamentais para canalizar a atuação de nossos Juízes onde de fato ela é necessária.
O descompasso pode aumentar na atual crise de saúde, os impactos sociais e financeiros decorrentes dos reflexos gerados pelo isolamento social e em alguns casos extremos pelo lockdown, agravam os conflitos na sociedade. Cancelamentos de eventos e viagens, alterações de regramentos por medidas provisórias, descumprimentos contratuais, insuficiência financeira e atrito nas relações trabalhistas, são apenas alguns exemplos das discussões que deverão ser absorvidas pelo Poder Judiciário já saturado pela demanda atual.
O universo jurídico necessita de mudanças de mindset que prestigiem o acesso à justiça de forma ampla e por vezes fora do guarda-chuva do Poder Judiciário. A garantia do acesso ao Judiciário é inócua sem que haja a resolução célere e efetiva dos conflitos. O mesmo seria garantir acesso à saúde e não ter leitos de UTI suficientes para atender a população; pois se todo o cidadão que se sinta lesado em algum de seus direitos, solicitar ao Estado prestação jurisdicional, continuaremos com o Judiciário sobrecarregado e incapaz de responder as demandas que lhe são solicitadas de forma célere e eficiente.
*André Salgado Felix é sócio do escritório Ernesto Borges Advogados. Professor da PUC/SP. Mestrando pela PUC/SP. Graduado em Direito pela PUC/SP, com especialização em Contencioso Cível pela Escola da Magistratura de São Paulo. Pós-graduado em Direito Contratual pela FGV/SP