Por Gabrielle Tavares
Propriedade rural no município de Porto Murtinho, fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, foi penalizada em mais de R$ 1,2 milhão após ser flagrada com 17 trabalhadores em situação análoga à de escravo.
O local foi autuado pela Fiscalização do Trabalho e uma audiência extrajudicial foi realizada na última quarta-feira (10), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-MS). O flagrante ocorreu no dia 15 de dezembro do ano passado.
Para indenização de dano moral individual, a fazenda, que ocupa 15 mil hectares e atua no ramo da pecuária bovina, foi responsabilizada em R$ 718 mil. O empregador já depositou os valores nas contas bancárias indicadas pelos trabalhadores.
Além disso, a unidade também terá de indenizar a sociedade no valor de R$ 500 mil, que será destinado a uma ou mais entidades sem fins lucrativos ou projetos sociais.
Entre os resgatados pelo MPT, são seis de nacionalidade paraguaia e nove indígenas, das etnias Guarani Kaiowá e Kadiwéu, oriundos dos municípios de Bela Vista e Porto Murtinho. Todos compareceram à audiência.
O trabalhador E.M., de 15 anos, foi aliciado para a atividade em Bela Vista, onde reside. Depois disso passou a morar na fazenda, acompanhado do irmão mais velho, de 27. Eles contam que com a indenização, pretendem realizar o sonho da mãe de comprar uma casa de alvenaria, a primeira que a mulher, de 49 anos, irá morar.
Outro menor resgatado, o indígena Kaiowá, E.I., de 14 anos, é órfão de mãe e não sabe onde está o o pai. Sua avó que o ajudou nas providências burocráticas para o recebimento dos direitos trabalhistas.
Segundo o adolescente, ele precisou trabalhar na fazenda para comprar comida para a família. Superada a pandemia da Covid-19, o menino espera poder voltar a frequentar a escola e, com um trabalho digno, ajudar a avó idosa no sustento da casa.
O jovem G.A.J, de 23 anos, começou a trabalhar aos 12 anos, quando aprendeu a domar cavalos em fazendas da região de Jardim, cidade onde nasceu e cresceu.
Parte da indenização será destinada à reforma da casa da mãe, que é viúva, e o restante faz parte dos planos de ter uma vida melhor fora da zona rural.
Audiência
A audiência foi realizada na Vara do Trabalho de Jardim, pelo procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes. Os trabalhadores foram ouvidos individualmente e discutiram os valores a serem recebidos com os representantes legais da propriedade.
Tendo em vista que a situação foi de trabalho escravo, o dano moral individual foi classificado como gravíssimo.
De acordo com Almeida, o valor foi definido com base na legislação vigente, que estabelece entre 20 a 50 vezes o valor do último salário recebido para o exercício da atividade. Dois trabalhadores menores de idade receberam o teto previsto na lei.
A audiência resultou na assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC). “A rapidez da reparação decorreu da postura proativa da fazenda que, reconhecendo a gravidade da situação, colaborou decisivamente com os trabalhos”, avaliou Paulo Douglas de Moraes.
O TAC estabeleceu ainda que os empregadores deverão providenciar alojamentos, alimentação e condições laborais em conformidade com a legislação. Esta etapa será supervisionada pela Fiscalização do Trabalho, que realizou o flagrante.
O índice do trabalho escravo em Mato Grosso do Sul teve alta de 46% no ano passado, se comparado a 2019.
Dados fornecidos pelo Ministério Público do Trabalho do Estado (MPT-MS) apontam que, nas investigações feitas, 63 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão.
Em 2019, quando a taxa era menor, o registro foi de 43 trabalhadores em condições degradantes. Em todo o país, atualmente há 1,7 mil processos sob investigação pelo Ministério Público do Trabalho, sendo que 41 deles pertencem a Mato Grosso do Sul.
Na escravidão moderna não utiliza de correntes ou algemas, mas da dependência psicológica e financeira, ligada à condições de trabalho tão hostis que roubam a dignidade do trabalhador.
Um levantamento do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, mostrou que em Mato Grosso do Sul, entre 2003 e 2018, mais de 2,6 mil pessoas foram resgatadas em condições degradantes, o que corresponde a uma média de 167 vítimas por ano.
O perfil dos casos também comprova que o analfabetismo ou a baixa escolaridade tornam o indivíduo mais vulnerável a esse tipo de exploração, já que em torno de 60% das vítimas no estado se declararam analfabetas.
A maioria é do sexo masculino, com idade que varia entre 18 e 24 anos. Quase 90% das vítimas eram trabalhadores agropecuários.