O Taleban reprimiu nesta quarta-feira, 18, um protesto popular no leste do Afeganistão, que visava defender a bandeira do país. Os manifestantes se opunham a substituí-la pela branca, com uma inscrição que representa os insurgentes e o Emirado Islâmico, que foi implementado com a volta do grupo ao poder.
O ato aconteceu nas ruas de Jalalabad, capital da província de Nangarhar, uma das últimas cidades a ficar sob o controle dos radicais. Para conter o protesto, o grupo radical fez uso esmagador da força. Soldados taleban atiraram contra a multidão, e bateram em manifestantes e jornalistas.
O Taleban assumiu o controle da cidade, um centro comercial a leste de Cabul, perto da principal fronteira com o Paquistão, quatro dias antes, sem muita resistência, depois que um acordo foi negociado com os líderes locais.
“Os talibãs dispararam contra os manifestantes e atingiram alguns fotojornalistas”, conforme veiculou a agência de notícias afegã “Pajhwok”, por meio de postagem no Twitter.
#Taliban firing on protesters in Jalalabad city and beaten some video journalists. #Afghanidtan pic.twitter.com/AbM2JHg9I2 — Pajhwok Afghan News (@pajhwok) August 18, 2021
Esta semana, o Taleban realizou patrulhas pela cidade em caminhonetes apreendidas da agora extinta força policial.
Apesar dos riscos, centenas de manifestantes marcharam pela principal rua comercial, assobiando, gritando e ostentando grandes bandeiras da República Afegã. Os combatentes taleban atiraram para o alto para dispersar a multidão, mas os manifestantes não se dispersaram, mostra vídeo transmitido pela mídia local mostrou.
Quando isso falhou, os combatentes recorreram à violência. Não ficou claro quantas pessoas foram feridas ou se alguém foi morto.
A manifestação e a resposta ameaçaram minar os esforços da liderança talibã para se apresentar como administradores responsáveis pelo governo.
A revolta pública veio quando o Taleban se preparava para dar detalhes sobre como será seu governo, nomeando ministros e preenchendo cargos-chave.
“Não queremos mais que o Afeganistão seja um campo de batalha”, disse Zabihullah Mujahid, o porta-voz chefe do Taleban, em uma coletiva de imprensa na terça-feira. “De hoje em diante, a guerra acabou”.
Enquanto muitos eram céticos quanto a essas garantias, em Cabul, os ritmos da vida diária começaram a retornar — mas eles estavam reduzidos em muitos aspectos.
Havia visivelmente menos mulheres nas ruas. Algumas das que se aventuraram a sair não se cobriram com a burca tradicional, a mortalha de corpo inteiro que cobre o rosto necessária na última vez em que o Taleban governou. Em casas e empresas, uma simples batida na porta poderia despertar o medo.
Resta saber se as necessidades pragmáticas de uma nação de 38 milhões continuarão a moderar o fanatismo ideológico que definiu o governo do grupo de 1996 a 2001. Mas o país que o Taleban agora controla mudou muito nas últimas duas décadas.
O progresso das mulheres — de milhões de meninas na escola e mulheres em papéis críticos na sociedade civil — é o exemplo mais visível. Mas anos de investimentos ocidentais no país também ajudaram a reconstruir uma nação que estava em estado de ruína quando o Taleban surgiu.
Os protestos ofereceram sinais iniciais de que muitos afegãos não simplesmente aceitarão o domínio do Taleban.
O público tem uma certa expectativa de que as necessidades básicas sejam atendidas, e o fracasso do governo afegão em atender a essas necessidades ajudou a alimentar o apoio ao Taleban. Isso permitiu-lhes varrer rapidamente o país — muitas vezes não pela força militar, mas pela negociação com líderes locais frustrados.
Na quarta-feira, em um mercado ribeirinho em Cabul, Jawed estava vendendo maçãs. Nascido no ano em que o Taleban foi expulso do poder, ele não tinha idade suficiente para se lembrar de seu reinado brutal.
Sua preocupação, esta semana, era obter mantimentos e frutas do Paquistão. Isso agora era mais fácil, disse ele.
“As estradas estão limpas, estão quietas”, disse Jawed, que se apresenta apenas com um nome. Por enquanto, o Taleban significava mais ordem no trânsito, e os preços no atacado haviam caído. Mas os negócios não estavam melhores.
“O povo está com medo agora, eles não estão comprando”, disse ele. “Mas pelo menos é melhor do que ontem. As coisas vão melhorar lentamente. Os mulás chegaram”.
A chegada dos mulás taleban — uma referência aos líderes religiosos do grupo — também desencadeou um medo generalizado.
Dezenas de milhares ainda estão tentando escapar. As pessoas fizeram fila cedo nos bancos, preocupadas que não houvesse dinheiro para alimentar suas famílias. E o destacamento de soldados nos postos de controle em Cabul deixou claro que os taleban têm o monopólio do uso da força e que decidiriam como e quando usá-la./ NYT