Empresa vende cesta de frutas e hortaliças rejeitadas por varejistas por questões estéticas
Entre a colheita e a chegada às gôndolas do mercado, mais de 20% da produção global de frutas e hortaliças vai para o lixo, segundo o dado mais recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Entre tantas ineficiências da cadeia, uma das mais impactantes é a de que parte do descarte ocorre porque a produção não atende aos padrões estéticos dos mercados – uma berinjela, por exemplo, pode nem ser comercializada por ser grande demais. É um problema que a startup Diferente quer amenizar – e, para isso, anuncia nesta quarta, 30, o recebimento de um aporte de US$ 4,4 milhões (cerca de R$ 24 milhões).
Fundada há apenas três meses, a startup permite em seu site a assinatura de uma cesta (semanal, quinzenal ou mensal) de hortaliças e frutas orgânicas, composta por até 50% de alimentos que seriam jogados fora por não atenderem aos padrões estéticos do varejo. A promessa do serviço é a de entregar alimentos mais saudáveis por preços até 40% mais baixos – parte da economia está no fato de que a startup consegue valores mais baixos junto aos produtores por negociar o descarte.
Para tornar a promessa realidade, a Diferente ostenta um time com experiência no ecossistema de inovação nacional. Entre os fundadores estão ex-executivos de “unicórnios” (startups avaliadas acima de US$ 1 bilhão) latinoamericanos: Saulo Marti (ex-Olist), Paulo Monçores (ex-VTex) e Walter Rodrigues (ex-Rappi). O quarto nome é o de Eduardo Petrelli, cofundador do James Delivery, app de entregas comprado pelo Grupo Pão de Açúcar em 2018.
Entre os investidores, a lista também é de respeito. A rodada foi liderada pela Maya Capital e teve participação de GFC e Caravela. O aporte também marca a estreia na América Latina do Collaborative Fund, firma que já investiu na Beyond Meat, gigante americana das carnes vegetais, e no Kickstarter, conhecido serviço de financiamento coletivo. A firma britânica FirstMinute Capital também participou da rodada, que também chega ao País em primeira viagem.
Tiago Dalvi, fundador da Olist, Matias Muchnick, fundador do unicórnio chileno NotCo, Abhi Ramesh, fundador da Misfits Market (unicórnio americano especializado em hortifruti fora dos padrões), e Hamish Shephard, fundador da HelloFresh (gigante alemão de assinaturas de alimentos), participaram do investimento.
Com tanta experiência, é natural que os fundadores olhem para o passado para tentar melhorar o futuro. “Entendo que falhamos no James para chegar a um nível excepcional por conta de problemas estruturais. A relação com o varejista é complexa: há falta de itens, o tempo de espera é alto, a eficiência financeira é complexa e há muitos intermediários na cadeia. Tudo isso resulta em uma experiência mediana para o usuário”, conta Petrelli ao Estadão.
Além de negociar os orgânicos diretamente com produtores, a Diferente usa algoritmos de predição para oferecer cestas que atendam o gosto do consumidor – a ideia é economizar tempo na hora da compra. Ao se cadastrar na plataforma, o usuário indica preferências e restrições, e aí a inteligência artificial (IA) faz as escolhas baseada na disponibilidade dos alimentos. A cesta é comprada automaticamente no período determinado – o usuário também pode indicar quando não quer receber os alimentos. Os preços variam de acordo com o tamanho da cesta e podem custar entre R$ 40 e R$ 112.
Delivery
Nos últimos meses, a disputa na entrega de mercado se intensificou. Além de gigantes da tecnologia como iFood, Rappi e Uber, e de nomes tradicionais do setor, como Lojas Americanas e Carrefour, novas startups também entraram na disputa. Entre elas estão a Daki, que virou unicórnio em dezembro passado, a LivUp, a Raízs e a Trela. Atualmente, existem 357 foodtechs (startups ligadas à alimentação) no Brasil, segundo um estudo do fundo Outcast Ventures com a empresa de inovação aberta Distrito.
Apesar disso, Petrelli acredita que o mercado pode acomodar todos. “No mundo físico, existem vários modelos de negócios. O mesmo vale para o digital. Não existe um mercado que atende classes A, B e C, compras grandes e pequenas e compras rápidas. O cliente vai se adaptar às lojas que mais combinam com o seu perfil”, diz ele.
Uma das apostas da Diferente é a entrega gratuita (embora a companhia não garanta que isso vai durar para sempre). A empresa usa inteligência artificial para otimizar as rotas realizadas pela própria equipe da startup. Com a recorrência das compras, o algoritmo consegue determinar os melhores trajetos e dias de entrega. É um formato que quer se opor ao modelo de entregas ultrarrápidas, que vêm ganhando forte investimento nos últimos anos.
“Nos últimos meses, houve um ‘boom’ do ultrafast. Mas considero que o modelo diminui as possibilidades de mercado porque necessita de muita densidade para ter velocidade e tem custos muito altos de coleta e de entrega. É um modelo que veio da Europa e que não atende a realidade do Brasil, que é muito pulverizado”, explica Petrelli.
Dessa maneira, o investimento da companhia será na área de tecnologia. A ideia é triplicar o tamanho da equipe até o final do ano, saindo do quadro atual de 22 funcionários para 60. Em 2023, o objetivo é chegar a 120 pessoas. Outra parte do cheque será destinada à expansão territorial: atualmente, a Diferente está apenas na cidade de São Paulo – os executivos não revelam o próximo destino.
A Diferente, porém, ainda precisa responder algumas questões: “Existem dúvidas sobre startups que são de nicho. Há uma complexidade de abastecimento de produtos orgânicos e esse tipo de consumidor é pequeno no Brasil. Pode ser que ela tenha dificuldades para ser escalável”, diz Sérgio Molinari, presidente da consultoria Food Consulting.
Caso consiga crescer, a Diferente deixa uma outra dúvida no ar: a empresa se manterá independente ou seguirá o caminho do James Delivery, adquirido por um gigante? “Não estou falando que não teremos captações pelo caminho. Elas são necessárias para o crescimento acelerado. O nosso sonho é viver da Diferente. O James foi uma outra realidade, que não teve acesso a capital. O mercado não era tão desenvolvido como é hoje. E isso pode permitir a nossa independência”, diz Petrelli.
Por Bruno Romani