Ou como os governos podem se preparar para a Ômicron e outras crises no futuro
Em Guerra e Paz, que se passa no período em que Napoleão invade a Rússia, Tolstoi afirma que “o curso dos eventos mundiais é predeterminado de cima, depende da coincidência de todas as arbitrariedades das pessoas que participam desses eventos, e … a influência de Napoleão no curso desses eventos é apenas externa e fictícia”. Apesar do fatalismo de Tolstoi, para quem tudo já está predeterminado, há sim muitas lições que podemos tirar dos eventos mundiais e que podem nos ajudar a lidar com problemas presentes e com aqueles que ainda hão de vir.
A variante Omicron da Covid (e possíveis futuras variantes) é um caso claro de como podemos aprender com o passado. Depois de quase dois anos de pandemia, há muitas lições disponíveis e ferramentas que os gestores públicos podem usar para minimizar os impactos de crises sanitárias em geral. Como diz a sabedoria popular, aprende-se muito mais errando do que acertando. No caso, o Brasil aprendeu muito, sobretudo diante dos diversos erros cometidos no combate à pandemia.
Segundo dados da Johns Hopkins University, que comparou 205 países, o Brasil é o 9o pior país, com 2.902,92 mortes por covid por milhão de habitantes. Se falarmos sobre as mortes por casos registrados (ou seja, de cada pessoa contaminada, quantas chegam a falecer por COVID), o desempenho do Brasil é ainda pior, sendo o 7o pior colocado, com 2.8%.
A boa notícia é que o Brasil vem melhorando. A vacinação avança a passos largos e o país é hoje o 14o colocado em vacinação, com 78% da população já tendo recebido ao menos uma dose de vacina. Tal performance explica por que os números de casos e fatalidades não estão aumentando no Brasil. Isso nos leva à primeira lição que os gestores públicos devem tirar da gestão da pandemia no país: acreditar na ciência e escutar com atenção o que dizem os especialistas, principalmente quando o assunto é saúde. Se não fossem as medidas restritivas e a vacinação, o Brasil estaria em uma situação muito pior.
O sucesso de hoje, no entanto, não garante o de amanhã. É necessário se manter vigilante e ponderar com seriedade sobre o que acontece em outros países. O Brasil foi um dos últimos países a serem atingidos severamente pela pandemia. O primeiro caso de Covid entre nós foi registrado em 26 de fevereiro de 2020, meses depois das primeiras ondas na Ásia e Europa. Em janeiro de 2020, a situação já era crítica na Itália, mas, mesmo assim, muitas autoridades públicas perderam a chance de aprender com o que estava acontecendo em outros países.
A segunda lição que os gestores públicos brasileiros devem tirar é a de estarem sempre vigilantes e anteciparem problemas com medidas para reduzir impactos. Há uma chamada terceira onda de casos de Covid na Europa neste momento, o que pode ser um indicativo de possível aumento de casos no Brasil no futuro. Vamos nos manter atentos e preparados.
Outro ensinamento relevante é sobre a importância da cooperação entre estados, municípios e o governo federal. Não raro as crises são problemas sistêmicos, ou seja, afetam diversos níveis da sociedade e ultrapassam as barreiras geográficas. A pandemia nos ensinou que o problema dos nossos vizinhos é também o nosso. Agindo em conjunto, conseguimos superar os desafios. A coordenação entre os entes federativos foi importante, por exemplo, na distribuição rápida das vacinas por todo o território nacional. Isso somente é possível quando todos cumprem seu papel de forma harmônica e conjunta.
A quarta, e talvez mais relevante, lição é sobre a valorização dos nossos profissionais públicos. Imaginem o que seria de nós sem os valorosos profissionais da saúde. Enfermeiras, enfermeiros, médicas e médicos e tantos outros profissionais que trabalharam de forma incansável para combater a pandemia, colocando suas vidas em risco por todos nós. A saúde pública vem sofrendo com falta de atenção há bastante tempo. Entre 2009 e 2019, o SUS viu uma redução de mais de 40 mil leitos para internação. Os profissionais da enfermagem pública brasileira em 2020 recebiam em média R$ 3.596, enquanto a média salarial do judiciário e legislativo federais é de R$ 15.274 e R$ 9.438, respectivamente. Precisamos repensar como valorizamos nossos profissionais públicos de forma mais justa e equilibrada.
Na segunda metade de Guerra e Paz, Tolstoi reconta a famosa Batalha de Borodino, na qual o exército de Napoleão enfrenta os russos, com aproximadamente 250.000 soldados em campo. Nesta parte do livro, um dos protagonistas da história, Pierre Bezukhov, encontra-se desnorteado no meio da batalha (ele não era um soldado), correndo de um lado para o outro, totalmente perdido enquanto bombas explodem ao seu redor. Nada que Pierre fizesse mudaria o resultado da batalha.
As autoridades públicas brasileiras não precisam ser como Pierre Bezukhov. Não precisamos ficar desnorteados apenas esperando as crises acontecerem. As lições aprendidas durante estes quase dois anos de pandemia podem nos ajudar a estar mais preparados para futuras crises, sejam elas de ordem sanitária ou de outro tipo. A chave é aprender com o passado para poder mudar o presente e planejar o futuro.
Por Eloy Oliveira