Em entrevista coletiva no dia 19 de janeiro, o petista afirmou que Bolsonaro vai levar um “golpe nas urnas” e que “quem vencer a eleição” vai presidir o país
O trecho de uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) circula pela internet, retirado de contexto, para sugerir que o petista vai promover uma fraude eleitoral contra Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022. No vídeo viral, Lula aparece dizendo: “A gente vai dar um golpe em Jair Bolsonaro, mas vai ser um golpe na urna. Não é um golpe militar, é golpe na urna”. Em seguida, o ex-presidente diz que Bolsonaro vai sair “calminho” e que não vai ter “esse negócio de ele ficar bravo, dizer que não sabe se vai entregar, que não sabe se vai aceitar”. A seguir, aparecem imagens de uma pessoa que, no celular, digita números que seriam de Bolsonaro e de João Doria em uma simulação de urna eletrônica, mas os votos acabam registrados para Lula. No conjunto, a peça insinua que o “golpe” citado no discurso de petista seria a adulteração do resultado das eleições. A assessoria do ex-presidente afirmou que ele se referiu a tirar Bolsonaro do poder pelo voto.
Uma legenda adicionada ao vídeo afirma que Lula confessou que vai dar um golpe e destaca “a gravidade destas declarações”. O conteúdo viral tinha mais de 330 mil interações no Facebook até o dia 3 de fevereiro de 2022. Na edição, foi cortada a fala final de Lula, em que ele diz que “quem ganhar [a eleição] vai tomar posse e vai presidir esse país”.
A fala completa do ex-presidente está disponível no YouTube e foi feita no dia 19 de janeiro de 2022, durante uma entrevista para blogs e sites com linha editorial simpática ao petista. Lula fala em “golpe na urna” ao responder a uma pergunta do jornalista Luis Nassif, do Jornal GGN, sobre a possibilidade de ter Geraldo Alckmin, que deixou o PSDB em dezembro, como vice-presidente em sua chapa para as eleições deste ano. Lula responde à pergunta e continua falando que não vai ser “o candidato do PT”, mas que quer ser “o candidato de um movimento que esteja disposto a resgatar a decência do povo brasileiro”. “É esse movimento que vai restabelecer a democracia, é esse movimento que vai dar um golpe no Bolsonaro. É um golpe na urna, não é um golpe militar, é um golpe na urna. E esse negócio de ele ficar bravo, dizer que não sabe se vai entregar, se vai aceitar, que vai ter Capitólio, não. Ele calminho, calminho, pode até sair pela porta do fundo como Figueiredo, mas quem ganhar vai tomar posse e vai presidir esse país”, declarou. A fala completa vai do minuto 33:15 ao 34:59.
Procurada pelo Estadão Verifica, a assessoria de Lula negou que o ex-presidente tenha ameaçado um golpe eleitoral. “O que Lula quis dizer, claramente, é que o povo vai derrotar Bolsonaro no voto”, afirmou. “O vídeo depois usa um aplicativo de humor para insinuar fraude eleitoral. O cidadão que fez esse vídeo está, de propósito e com fins políticos, disseminando mentiras.”
Trecho inserido no final
O trecho inserido no final do vídeo mostra um homem usando um aplicativo de celular que simula uma votação em uma urna eletrônica. No vídeo, o homem afirma: “O STF é nosso, o TSE é nosso e as urnas eletrônicas são nossas”. Ele mostra a tela do celular com o que chama de “modelo de uma urna eletrônica” e digita, primeiro, o número 17, depois o 45. Em ambos os casos, porém, o que aparece é o número 13 e a foto do ex-presidente Lula.
O vídeo já foi investigado por outra agência de checagem, que explicou que a tela do celular mostra um aplicativo chamado Votar no Lula. No aplicativo, qualquer número digitado se transformava em 13, mas ele não tem qualquer relação com as urnas eletrônicas usadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O aplicativo, classificado na Google Play Store como sendo de humor, foi retirado do ar no início deste ano, mas há outros disponíveis com o mesmo propósito. Há até um, parecido, para “votar” em Bolsonaro.
O autor do post no Facebook foi procurado, mas não respondeu ao pedido de contato até a publicação deste texto.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
Por Clarissa Pacheco