O STF volta a analisar no dia de hoje a restrição das atividades policiais nas comunidades cariocas.
Lembro que a Suprema Corte, por maioria de votos, proibiu operações policiais nas comunidades cariocas, exceto em situações extraordinárias, com prévia comunicação ao Ministério Público e de forma fundamentada, sob pena de responsabilização civil e criminal, enquanto durar a pandemia (ADPF 635 MC-TPI / RJ); e, também, limitou o uso de helicópteros nas ações policiais apenas para os casos de extrema necessidade, por tempo indeterminado.
O fundamento basilar das decisões é que há grande letalidade neste tipo de ação e que a pandemia agravou o quadro.
Já escrevi vários artigos sobre esse tema, mas que está sempre em aberto, uma vez que a violência nas comunidades do Rio de Janeiro, decorrente do domínio pelas organizações criminosas, não cessa.
Segurança pública é dever do Estado. E seu combate, na grande maioria dos crimes, é função do Estado membro.
Quem conhece como ninguém o que ocorre nas comunidades cariocas são as polícias locais e ninguém mais. E tampouco o Supremo Tribunal Federal, cuja função é julgar e não combater o crime.
Assim, se houve operações policiais é porque a polícia está exercendo suas funções, que estão descritas no artigo 144 da Constituição Federal. Isso mesmo. É a Carta Magna que diz ser dever da Polícia Militar a preservação da ordem pública e o policiamento ostensivo, ao passo que cabe à Polícia Civil as funções de polícia judiciária estadual e a apuração de infrações penais de sua atribuição.
A partir do momento em que o Estado oficial não se faz presente, assume o seu lugar o estado paralelo do crime.
O que deveria ensejar a intervenção do Poder Judiciário é a omissão do Estado no combate ao crime, e não sua atuação para debelá-lo. Quem sofre com isso é a população ordeira, que não tem a quem recorrer quando seus bens jurídicos são violados pela bandidagem, que está a agir livre, leve e solta em razão da ausência de policiamento ostensivo, função essa que é atribuída à Polícia Militar pela Constituição Federal.
Além do mais, investigações policiais não são realizadas e mandados de prisão não são cumpridos. Não há como adentrar às comunidades sem aparato de guerra. Os policiais quando o fazem são recebidos a tiros de armas de grosso calibre. E sem a possibilidade do uso de helicópteros, para dar segurança e orientação aos policiais, a letalidade pode ser grande, não dos marginais, mas dos policiais que arriscam suas vidas para preservar a segurança e combater o crime.
Para quem não sabe, os helicópteros são empregados nas operações policiais para observação do campo de atuação, para embarque e desembarque da tropa e, somente em último caso, para alvejar marginais, que coloquem em risco a tropa ou a aeronave. O tiro é disparado por atirador de elite, que possui anteparo para sua arma, ou seja, dificilmente errará o alvo. Aliás, não se tem notícia de pessoa alvejada por erro de pontaria ou acidente no uso dos meios de execução.
Com efeito, os órgãos de segurança do Estado do Rio de Janeiro estão de mãos atadas. Dificilmente há operação policial regular, seja porque qualquer policial sabe que ao colocar o pé nos morros haverá troca de tiros, com possibilidade de dano colateral, ou porque estarão sem apoio dos helicópteros, com enorme probabilidade de grande número de baixas na tropa.
Não precisa ser nenhum adivinho ou especialista em segurança pública para saber que as comunidades do Rio de Janeiro iriam se transformar em local de ninguém, ou melhor, dos bandidos do Comando Vermelho ou de facções rivais.
A guerra está sendo travada entre os grupos criminosos e sem a intervenção do Estado vai ser cada vez pior. Até tocas foram cavadas nos pontos mais altos para impedir qualquer tipo de invasão. Basta colocar no local uma .50, .30 ou uma MAG .762, que só o Exército e seus blindados poderão subir os morros.
Não é a pandemia que vai levar o crime organizado a se recolher por temor do vírus. Ele continua vivo e agindo. Sem as regulares operações policiais a tendência é aumentar e se incrustar de tal modo nas comunidades, que dificilmente será possível extirpá-lo posteriormente.
Ninguém desconhece que efeitos colaterais ocorrem em algumas ações policiais nas comunidades. E disso se valem os bandidos e alguns políticos para pedir que a polícia não exerça suas funções. É comum o próprio marginal alvejar moradores ou usá-los como “escudos humanos” para reclamar posteriormente da letalidade policial.
No entanto, sopesando as situações, não há a menor dúvida de que é muito pior permitir um estado paralelo dentro do Estado oficial, que detém o poder de vida e morte nas comunidades, empregando suas próprias regras para fazer valer a “lei do tráfico”, que pune com a pena capital diversas condutas, dentre elas a desobediência às suas determinações.
Não é demais lembrar o que ocorreu da última vez que a polícia foi proibida de atuar nas comunidades cariocas por determinado governador. O resultado está aí e não pôde mais ser revertido.
Não questiono a boa vontade de querer reduzir a letalidade policial, mas não será dessa forma. Já estão sendo travadas batalhas pelo poder local com dimensão de danos inimagináveis, inclusive com perda de vidas, o que tende a aumentar cada vez mais sem a presença do Estado.
Não seria mais fácil, prudente e lógico controlar as ações policiais com filmagens ou outros meios adequados? Cada grupo de atuação teria um ou dois homens com câmera acoplada em seu capacete. Toda ação seria filmada e eventual excesso ou conduta culposa poderia ser apurada e, se o caso, adequadamente punida. Não é melhor do que simplesmente entregar as comunidades nas mãos do crime organizado?
Nessa hora, a prudência recomenda que o STF reveja sua decisão e restabeleça a possibilidade de a polícia atuar regularmente nas comunidades cariocas de modo a evitar o caos, que já está em pleno andamento.
Os cariocas de bem, que são a esmagadora maioria, agradecem.
Por César Dario Mariano da Silva