Ser mulher no Brasil há muito é sinônimo de desigualdade, desrespeito, insegurança e medo. E brotam quase todos os dias novas estatísticas que reforçam os riscos de viver numa sociedade onde a proteção à mulher nem sempre é suficientemente eficaz.
Tomando uma pesquisa em especial, elaborada pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto Locomotiva, com o apoio da Uber e da ONU Mulheres, em outubro de 2021, é possível constatar que a exceção simplesmente virou regra. O estudo ouviu 1.194 mulheres com idade mínima de 18 anos, especificamente sobre o deslocamento delas pelas cidades brasileiras.
Os números são avassaladores: 7 em cada 10 delas alegaram já ter recebido olhares insistentes e cantadas inconvenientes durante seus trajetos, e 81% já sofreram algum tipo de violência na mesma circunstância. Além disso, 36% das entrevistadas sofreram importunação ou assédio sexual; 34% foram vítimas de assalto, furto ou sequestro e 9% revelaram ter sido vítimas de estupro.
Esses dados são apenas a pequena ponta de um imenso iceberg que esconde diversas outras formas de violência que a mulher sofre, seja na locomoção dentro do transporte público, nas ruas, no trabalho ou até mesmo dentro de casa. Hoje existem dispositivos legais que têm por objetivo protegê-la de potenciais agressores. Mas foi à base de muita luta e sacrifício.
A lei que se tornou referência em favor das mulheres é a 11.340/06, mais conhecida por Lei Maria da Penha. Ela estabelece que todo caso de violência doméstica é crime e deve ser apurado por inquérito policial e encaminhado ao Ministério Público. As vítimas têm acesso a política de proteção e assistência social e a pena para os agressores, que antes era de 6 meses a 1 ano, a partir da lei passou a ser de 3 meses a 3 anos. Se a vítima for portadora de deficiência, acrescenta-se mais 1/3 ao período de detenção.
Ironicamente, sua existência se deu ao custo da mobilidade da mulher que assina a norma, depois de ter sido vítima de duas tentativas de feminicídio pelo ex-marido, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. Tetraplégica, Maria da Penha é símbolo de quem lutou por quase 20 anos até que o agressor fosse preso, ainda assim por apenas dois anos.
Mas, embora menos badaladas, existem outras legislações que propõem dar mais condições de vida digna às mulheres brasileiras. Em 2012, entrou em vigor a Lei 12.737, também chamada Lei Carolina Dieckmann, em referência à atriz, que foi vítima de um hacker que invadiu seu computador pessoal e divulgou diversas fotos íntimas. Hoje, a invasão a aparelhos eletrônicos para ter acesso a dados pessoais, incluindo conteúdo íntimo, tem penas que podem levar de três meses a até um ano, além de pagamento de multa.
No ano seguinte, em 2013, foi sancionada a Lei do Minuto Seguinte (12.845/13), que dá direito a assistência a mulheres vítimas de agressões ou violência sexual, antes mesmo de o boletim de ocorrência ser registrado. A partir da legislação, as mulheres têm acesso a atendimento médico, psicológico e social imediato, além de contraceptivo para conter um eventual risco de gravidez e a contaminação de doenças sexualmente transmissíveis.
Também existem legislações que dão maior suporte e tempo de tolerância para as denúncias, como é o caso da Lei Joanna Maranhão (12.650/15), que estabelece o início da contagem de tempo para a denúncia apenas quando a vítima completa 18 anos. O prazo para denúncia é de 20 anos. As leis do Stalker (14.1232/21), do Sinal Vermelho (14.188/21), de Importunação Sexual (13.718/18) e do Stealthing (Art. 215, do Código Penal) também visam à proteção da mulher.
Contudo, é importante que a mulher se reforce com toda a coragem para denunciar o seu carrasco, amparando-se no seu direito de defesa e proteção com base nas leis que hoje seguem em vigor. Muitos dos números da violência contra ela não aparecem nas pesquisas porque são jogados para debaixo do tapete. Ou por medo ou por constrangimento. Mas a sociedade dá mostras de uma evolução que indica: apesar de tudo e do longo caminho que ainda temos a percorrer, ela está mais protegida do que antes.
Por Cida Vidigal