Engenheiro de 42 anos quer motivar outras pessoas com deficiência a praticarem o esporte
Mário Vinícius Tebet sabe que este sábado é um dia especial, talvez um dos mais importantes de sua vida. O engenheiro carioca de 42 anos, que mora em Fortaleza, voou até Florianópolis (SC) para participar da Fodaxman Extreme Triathlon, uma prova de triatlo extremo de 18 horas que começou às 4h da manhã. De todos os 150 inscritos, Mário é o único paratleta. Ao cair na água para dar as primeiras braçadas, antes mesmo do sol nascer, ele se tornou a primeira pessoa com deficiência a disputar a prova. Abre caminho para que outros se encorajem e possam fazer o mesmo.
“É legal ser pioneiro, levar essa bandeira para outros cantos e, possivelmente, ser o primeiro de muitos que queiram fazer o mesmo”, diz Tebet que, aos cinco anos, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que limitou parte dos movimentos do lado direito do seu corpo.
Se para a Fodaxman é uma novidade ter um paratleta, também será a primeira vez que Tebet vai disputar uma prova inteira de triatlo extremo. Nestes cinco anos em que se dedica aos treinos e às disputas da modalidade (natação, corrida e ciclismo), a sua maior realização, até agora, foi o Mundial de Ironman 70.3, em 2019, na França, que tem metade da distância que ele vai encarar em Floripa.
Realizada desde 2017, a disputa é um das etapas do circuito Xtri World Tour, que reúne 17 provas de triatlo extremo no mundo. O participante precisa superar os 4 km de natação noturna na barragem de São Bento, em Siderópolis; os 173 km de bicicleta que são, em partes, cumpridos na Serra do Rio do Rastro, com 3,6 mil metros de altimetria acumulada; além da maratona de 42 km no Morro da Igreja em Urubici, que exige muito dos atletas por ser região de baixa temperatura.
O circuito chega a englobar três cidades que se situam entre o litoral e a serra de Santa Catarina. O trajeto tem 4.900 metros de altimetria acumulada. A prova chega a ser tão extenuante que os organizadores exigem dos atletas a apresentação de atestado médico que comprove que estão aptos, clinicamente, a fazer o percurso.
Para o engenheiro, que disputou as primeiras provas de triatlo fazendo revezamento em equipe, terminar o desafio sozinho é motivo de orgulho. “Estou ansioso. Vai ser a primeira vez que disputo uma prova de triatlo full. Conseguir completá-la seria a realização de um sonho”, afirmou.
PREPARAÇÃO
Para chegar em condições de enfrentar um dia inteiro de disputa e cumprir o objetivo, Mário contou com a ajuda de um treinador e uma equipe multidisciplinar que reúne médico, fisioterapeuta e a nutricionista Lívia Bustamante – ela é bicampeã da Fodaxman e tenta o tri este ano.
Para ele, porém, não basta estar com o corpo forte e saudável. É preciso ter uma mentalidade preparada para suportar a carga física. “É a mente que leva o corpo. É preciso estar com a cabeça boa para ela controlar o sentimento de desistência e para te manter focado dentro do plano que você traçou para fazer a prova”, salienta Mário que, apesar de não ter a ajuda de um profissional da área, conta com os conselhos da mulher, Carolina, e de uma rede de amigos que o motiva.
Em 2020, a disputa foi cancelada e ele teve de lidar com a frustração de ver sua dedicação e expectativa irem por água abaixo. “Eu cheguei até a viajar para Santa Catarina para fazer o percurso de carro”, conta. “No começo do ano, estava bem desanimado, com outras prioridades, mas resolvi voltar aos treinos e tentar esse ano de novo”.
Uma das estratégias adotadas foi fazer treinos que se aproximassem do que vai encontrar, como andar de bicicleta nas serras cearenses ou passar madrugada pedalando dentro de casa. Para isso, investiu na compra de um rolo, aparelho que funciona sob um sistema de engrenagem que permite encaixar as rodas da bicicleta e simular aclives e declives de um lugar fixo. “Cheguei a ficar nove horas pedalando. Minha mulher foi dormir, acordou e eu ainda estava lá pedalando”, lembra. “Há um desejo de me superar. Independentemente da minha condição física.”
IGUAIS
Além de ser uma chance de se superar, completar a prova é uma resposta ao preconceito. Ele admite que, por ser deficiente, já sofreu discriminação. Até por isso, se aproxima do esporte por não se sentir diferente. “Quando estou treinando com amigos, me vejo igual a qualquer um. Não me vejo como alguém com deficiência.”
Por Caio Possati