Advogados com atuação nas áreas fiscal e penal destacam importância da decisão do Tribunal Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo) que trancou investigação contra diretor de uma empresa aberta com base em representação da Receita à Procuradoria comunicando débito
Os desembargadores da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ/ES) determinaram o trancamento de um inquérito aberto contra o diretor de uma empresa com base em representação fiscal para fins penais – documento enviado pela Receita Federal ao Ministério Público Federal comunicando uma dívida tributária da companhia.
Por 2 votos a 1, os magistrados entenderam que o documento não apresentava ‘indícios mínimos’ de crime. A decisão foi proferida no âmbito de um habeas corpus impetrado pelo investigado questionando não só a apuração, mas também a cobrança fiscal que lhe foi imposta.
Em seu voto, o desembargador Antonio Ivan Athie considerou que decisão anterior do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) sobre o caso não impôs à companhia multa ligada ao entendimento de que houve fraude ou sonegação. Além disso, o magistrado considerou que houve empate em relação ao débito, sendo que, na época, ainda estava em vigor o voto de qualidade no Carf – quando, em casos de empate, prevalecia o voto do presidente da turma -, regra que caiu em abril de 2020.
O advogado Rodrigo Dall’Acqua, especialista em Direito Penal, considera o julgamento importante por lembrar que a representação fiscal para fins penais precisa conter ‘elementos claros sobre a ocorrência de uma possível fraude criminal’, sob pena da não instauração do inquérito. Na avaliação do advogado, ao barrar inquéritos ‘por mera dívida’, a Justiça evita uma investigação ‘desnecessária e vazia’.
Dall’Acqua diz que é ‘comum’ ver investigações tramitando sem que haja compreensão do crime que teria sido praticado. “Já vi inquéritos em que o promotor pede a oitiva do fiscal para que ele informe qual foi a fraude cometida, sendo que essa narrativa deveria estar expressa na representação fiscal, como elemento essencial para a abertura da investigação”, afirmou ainda o advogado.
Na mesma linha, o criminalista Daniel Gerber considera que o entendimento do TRF-2 se destaca em razão da ‘distinção entre materialidade delitiva e auto de lançamento’. “Considerando que a decisão fiscal pode se dar por motivos outros que não a sonegação dolosa — como, por exemplo, por presunção —, tem-se que nem todo auto de lançamento reflete indícios suficientes de prática criminosa”, explica.
O advogado também frisou a linha de raciocínio da corte sobre ‘a ausência de multa qualificada e, consequentemente, má-fé do contribuinte’. Segundo Gerber tal entendimento ‘demonstra não se estar diante, sequer em hipótese, de crimes contra a ordem tributária’. “Decisão correta pelo ponto de vista técnico e corajosa pelo político, eis que se nega a repetir entendimentos burocráticos e consolidados sobre o tema”, afirmou sobre a decisão do TRF-2.
Para criminalista especializado em Direito Penal Econômico André Damiani a decisão da corte regional ‘deveria ser referência no que diz respeito às apurações de crimes tributários’. Segundo o advogado, o crime tributário não decorre simplesmente do não pagamento do tributo, mas ‘da ocorrência de uma ação fraudulenta, dolosa, ludibriando o fisco para que não ocorra esse pagamento’.
No entanto, segundo Damiani, ‘a praxe’ é que automaticamente o fisco comunique ao Ministério Público as infrações tributárias para apuração de eventuais crimes ‘sem que haja qualquer indício mínimo de prática criminosa’. O criminalista Diego Henrique considera que tais representações acabam entrando em uma ‘linha de produção’. “É dever do Judiciário frear essa espécie de automação do sistema em desfavor do cidadão empresário”, registra Henrique.
Por Estadão