Além da alta mundial dos juros, companhias desapontaram investidores após apresentarem balanços financeiros e projetarem ano difícil
Em anos recentes, o setor de tecnologia viveu um período de euforia no mercado financeiro, com as ações das principais empresas do setor atingindo altas históricas. Apple, Microsoft, Alphabet (dona do Google), Amazon, Meta (dona do Facebook), Netflix e Twitter somam US$ 9,4 trilhões em avaliação de mercado. Em 2022, porém, a lua de mel parece ter azedado.
Desde o começo do ano, as “Big Techs” perderam cerca de US$ 910 bilhões em valor de mercado em 2022, segundo levantamento da corretora Avenue Securities a pedido do Estadão. O valor supera o total das empresas listadas na B3, a Bolsa brasileira, avaliadas em US$ 895 bilhões – ou equivale a 10,7 vezes a avaliação da Petrobrás.
Até aqui, quem mais sofreu foi a Meta, “empresa mãe” do Facebook. A companhia, também dona do Instagram e WhatsApp, chegou a perder US$ 252 bilhões em valor de mercado após revelar balanço financeiro decepcionante para os investidores na semana passada. O tombo, de 26%, foi o maior do mercado público de ações dos Estados Unidos. Desde o início do ano, as perdas acumulam US$ 299 bilhões, cerca de 32,6%.
No balanço, a Meta apontou perda do número de usuários diários pela primeira vez na sua história — desde 2004, as plataformas da empresa apenas cresciam de tamanho no mundo todo. Além disso, a companhia detalhou como deve ser impactada pela nova política de privacidade do iPhone, que agora força os usuários a escolherem se querem compartilhar informações pessoais para receber anúncios mais segmentados, principal negócio do Facebook e Instagram.
Além disso, a rivalidade com o TikTok se tornou declarada. No documento, a Meta afirma que o Reels, recurso de vídeos do Instagram e principal aposta da empresa para competir com o aplicativo chinês, não gera tanta receita quanto o feed de notícias e os Stories. Para adicionar mais obstáculos ao horizonte, Mark Zuckerberg confessou, em conferência com analistas após o balanço, que está ciente do tamanho do vizinho: “O TikTok já é um concorrente grande e também continua a crescer em um ritmo bastante rápido”, disse.
Em relatório ao mercado divulgado após os resultados, o banco de investimento UBS levantou dúvidas sobre o futuro das ações da companhia. “Nunca antes a Meta enfrentou uma plataforma com mais de 1 bilhão de usuários e com um formato novo, que provoca engajamento”, escreveram os analistas. “Acreditamos que a acentuada desaceleração da receita, combinada com uma batalha feroz contra o aplicativo chinês, devem pesar sobre as ações no curto prazo.”
Para analistas da corretora XP Investimentos, a companhia de Zuckerberg deve continuar focando em melhorar a experiência do Reels, e não na monetização. “Isso aumentará incertezas em torno das estimativas de receita de anúncios no curto prazo em 2022. Vale lembrar que a receita proveniente de publicidade representa 97% do total arrecado pela empresa em 2021”, escreve a companhia em relatório.
Por fim, o balanço da Meta aponta que a divisão de realidades virtual e aumentada do grupo (principal aposta para o metaverso) opera no vermelho, com custos mais elevados do que a receita gerada. O prejuízo foi de US$ 3,3 bilhões no último trimestre de 2021.
Não é o única
Entre as Big Techs, a gigante do streaming de filmes e séries Netflix foi quem sofreu a maior variação negativa, de 33,4% desde o início do ano – a perda de valor foi de US$ 89,5 bilhões. Pressionada pela maior concorrência de serviços como Disney+, Prime Video e HBO Max, a firma desacelerou no crescimento de usuários em 2021, totalizando apenas 18,2 milhões de novos assinantes, queda de 51% sobre 2020.
O Spotify, na área de música e podcasts, também não se deu bem: as ações tiveram queda de 23% na Bolsa americana após pregão após a divulgação do balanço da empresa, que registrou pequeno crescimento no número de usuários. Os números vêm em mau momento: a companhia sueca enfrenta uma crise após ser conivente com desinformação no maior podcast da plataforma.
Mesmo as maiores gigantes não animaram o mercado. Maior companhia do mundo, a Apple, por exemplo, registrou o maior lucro da sua história no último trimestre de 2021, quantia revelada após a companhia ultrapassar a marca dos US$ 3 trilhões em avaliação de mercado. Mesmo assim, a empresa encolheu 3,3% em 2022 — “meros” US$ 95 bilhões.
Atrás da Apple em avaliação de mercado, a Microsoft perdeu US$ 257 bilhões, ao ser desvalorizada em 10,2% – a queda aconteceu a despeito dos bons resultados. Entre as maiores, o Google caiu 3,8%. A Amazon, que dobrou o lucro no fim de 2021, também encolheu cerca de 4,7% neste ano, mesmo vendo as ações subirem mais de 20% após o balanço financeiro divulgado na semana passada.
2022 traz desafios
A degradação do namoro do segmento de tecnologia com o mercado financeiro não é de agora. Desde o início do ano, a categoria é pressionada por novos componentes que entram na equação em 2022.
Problemas na cadeia mundial de suprimentos, resultado das ondas de variantes da pandemia de covid-19, alongam a escassez de semicondutores (essenciais para aparelhos eletrônicos). A crise encarece o preço de containers de navios e espreme a margem de transportadoras, que repassam valores nos fretes.
Ainda, a inflação mundial, também um dos efeitos pandêmicos sobre a economia, forçou os bancos centrais a reajustarem as políticas monetárias, subindo os juros e desacelerando a tração do mercado financeiro. Do outro lado do balcão, o poder do consumidor fica travado — o que também prejudica as empresas de tecnologia, que viam em 2022 um ano de recuperação.
“Esse cenário afetou em cheio as empresas de tecnologia. É um conjunto de fatores”, explica Alves, da Avenue Securities.
Por Guilherme Guerra