Rodrigo Lara – Colaboração para Tilt, em São Paulo
Quando falamos de geração de energia elétrica limpa e renovável, logo pensamos em dois casos específicos: a eólica e a solar. Isso porque transformar o vento em energia elétrica usando turbinas (que lembram cata-ventos gigantes) e o uso de células para a conversão de raios solares são tecnologias que já encontram-se em uso prático há algum tempo.
Procurada por Tilt, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que a geração de energia elétrica por meio de parques eólicos e solares corresponde a 9,09% e 1,27% da matriz energética brasileira, respectivamente. Ao todo, são 615 usinas eólicas e 2.474 solares em atividade no país —e 56 novas usinas eólicas e 30 solares estão em construção.
É um estágio de utilização bastante diferente do visto em relação a uma outra tecnologia de geração de energia elétrica renovável: a que utiliza a força das marés.
Presente em países como Reino Unido e Canadá, esse método consiste em usar o “vai e vem” das marés para movimentar turbinas e, com isso, gerar eletricidade. É um processo similar ao usado em parques eólicos, com uma vantagem: por ser mais densa, a água exerce uma força maior sobre as turbinas e, consequentemente, gera mais energia.
“Essa é mais uma das possibilidades de se extrair energia renovável do oceano. É possível usar o movimento das ondas, do vento sobre o mar, a variação de temperatura e também da salinidade”, explica Gustavo Assi, professor do Departamento de Engenharia Naval da Escola Politécnica da USP.
Onde instalar?
Assi estuda o tema desde 2013 e reuniu um grupo de cerca de 40 pesquisadores, da Poli e do Instituto Oceanográfico da USP, com o intuito de alavancar um projeto sobre o assunto que visa a mapear a costa brasileira para saber os melhores lugares para instalações do tipo.
Localizar pontos da costa brasileira que permitam a instalação de turbinas do tipo é um dos principais desafios, considerando que falamos de 9.200 km de extensão, distância que leva em conta as saliências e reentrâncias do litoral.
A análise precisa ser criteriosa por um motivo em especial: acidentes geográficos, com canais entre continente e ilhas, tendem a ser pontos perfeitos para a instalação de uma fazenda de geração de energia de marés.
“A ideia é encontrar lugares onde haja uma variação boa de marés, como na costa norte do Brasil, onde o mar varia de cinco a oito metros de altura entre a maré baixa e a alta. Soma-se isso com um acidente geográfico favorável e temos uma situação interessante”, diz Assi.
Esse levantamento conta com a ajuda de mapas de entidades como a Marinha do Brasil e a Capitania dos Portos. Mas precisa de ajustes, já que nesse caso, o principal interesse não é determinar rotas de navegação, e sim um levantamento do potencial energético da costa.
“A ideia é identificar pontos com grande potencial e depois fazer uma análise mais direcionada. Para isso, usaremos modelos computacionais”, diz o professor, ressaltando que outros fatores precisam ser levados em conta. Um deles é a presença de sedimentos na água, que tendem a diminuir a durabilidade dos equipamentos —e, por tabela, encarecer a sua operação.
Além disso, cada local escolhido demanda um posicionamento específico de cada turbina para que elas não atrapalhem o funcionamento umas das outras. E, ainda que em menor escala, também é preciso analisar o impacto ambiental, uma vez que essas turbinas em movimento podem causar alterações no leito submarino e prejudicar a reprodução de peixes.
O grupo de Assi pretende propor esse mapeamento no segundo semestre deste ano, para que ele seja iniciado na segunda metade do próximo ano. A expectativa é que ele leve de quatro a cinco anos para ser concluído.
O professor afirma que não é possível estimar em quanto tempo o Brasil passaria a produzir energia elétrica a partir dessas turbinas, mas, ainda assim, se vê otimista.
“Construir e instalar uma fazenda é algo que depende de legislação e demanda, mas é preciso considerar que não estamos lidando com uma tecnologia nova. Afinal, turbinas existem há muito tempo. Outro ponto positivo é que o Brasil domina a tecnologia de instalações oceânicas”, diz, citando casos como as plataformas de extração de petróleo e gás da Petrobras, uma das referências mundiais nessa área.
Uma vez que a pesquisa for adiante, será o primeiro movimento concreto do tipo na América Latina.
Vale a pena?
Quando falamos em uma nova forma de gerar energia elétrica, uma das primeiras perguntas que vêm à mente é: vale a pena?
No caso da geração de energias por meio de marés isso não é diferente. E, como ocorre com boa parte das usinas de energias renováveis, o custo inicial tende a ser bastante superior em relação à instalação de usinas mais tradicionais.
Tomando a Europa como exemplo, Assi diz que o custo médio é de 4.400 euros para cada Quilowatt (kW) instalado. “Considerando uma turbina que gere 1 Megawatt (MW) de potência, o seu custo seria 4,4 milhões de euros”, diz Assi. Ele cita que em uma usina como Itaipu, o custo do Quilowatt corresponde a metade desse valor.
E o quanto uma fazenda de geração de energia de marés poderia alimentar? Segundo Assi, um complexo com dez turbinas seria capaz de alimentar cerca de 20 mil residências, ou algo em torno de 100 mil habitantes.
O professor aponta, no entanto, que olhar apenas para o custo nesse caso é um erro. “O que paga esse investimento é o impacto menor e o custo da energia limpa. A gente precisa avaliar a energia renovável em longo prazo. E, no caso das turbinas, elas não precisam ser, necessariamente, integradas à rede elétrica do país. Elas podem ser construídas para alimentar instalações que estão muito distantes para serem ligadas à rede elétrica, com plataformas de extração de petróleo e gás”.
Outro ponto que pesa a favor não apenas desse método, mas de todos os meios de energia limpa é a poluição, no caso de usinas termelétricas, e a ausência de recursos, como o espaço para a construção de novas hidrelétricas.
Por fim, uma vantagem específica da geração de energia pelo movimento das marés é a sua previsibilidade e sua fonte de energia inesgotável. “Ao contrário da energia eólica, que depende dos ventos, e da solar, que depende da incidência de luz, com a energia das marés nós podemos prever com exatidão a geração de energia. Além disso, enquanto o Sol, a Terra e Lua circularem entre si, será possível gerar energia dessa forma. Ou seja: para sempre”, conclui o professor.