Marcelo Ramos apresentou projeto para permitir continuidade da modalidade RP-9 de emenda, base do orçamento secreto; tese é a de que ação do PSOL no STF perderá o objeto
BRASÍLIA — O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), não vê a decisão do Supremo Tribunal Federal que barrou os pagamentos do orçamento secreto como o fim das emendas de relator no Congresso. Autor de um projeto para regulamentar os repasses, ele diz que, com transparência, é possível continuar usando as emendas de relator-geral, mecanismo que está na origem do esquema de “toma lá, dá cá” montado pelo governo de Jair Bolsonaro para obter apoio no Congresso. “Se tiver transparência, o meu entendimento é o de que o STF retira a suspensão”, disse ele em entrevista ao Estadão.
Por 8 a 2, o Supremo suspendeu os pagamentos, confirmando a decisão liminar original da ministra Rosa Weber, e obrigou os parlamentares a darem transparência às emendas. A conclusão da Corte abriu caminho para por fim a um esquema, criado no Palácio do Planalto, que possibilita ao governo obter apoio no Congresso, com distribuição de verbas a redutos eleitorais de parlamentares aliados de Bolsonaro. A prática foi revelada pelo Estadão e ficou conhecida como orçamento secreto.
A proposta de Ramos altera a Resolução do Congresso nº 1 de 2006, que trata da organização da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e do trâmite da Lei Orçamentária no Congresso. Pelo projeto, que tem apenas dois parágrafos, as emendas de relator-geral passariam a incluir obrigatoriamente “a identificação do solicitante”. Caso o recurso seja “apadrinhado” por um congressista durante a execução, caberia ao ministério que está executando a obra ou serviço tornar pública a informação.
Uma vez aprovado, porém, o projeto não prevê dar publicidade aos recursos distribuídos a deputados e senadores no Orçamento de 2020 e de 2021, este último alvo da decisão do Supremo. A proposta também não trata da questão da isonomia na divisão dos recursos, outro ponto considerado ilegal pela Corte. No esquema do orçamento secreto, um grupo de deputados e senadores aliados ao Palácio do Planalto foi beneficiado com emendas em detrimento de parlamentares da oposição.
Marcelo Ramos está em Glasgow, na Escócia, onde participa da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26. Embora se considere um político de oposição a Jair Bolsonaro, Ramos é próximo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais defensores do orçamento secreto e um dos políticos que mais influenciam a distribuição das verbas. Em conversa com o Estadão, Ramos defendeu a manutenção dos repasses, embora com a adoção de mecanismos de transparência. Veja os principais trechos:
O projeto de resolução não perdeu o objeto depois que o STF referendou a decisão liminar (provisória) da ministra Rosa Weber?
O projeto de resolução segue necessário. O que o Supremo julgou foi a liminar da ministra Rosa Weber. Apenas a liminar. Ainda precisa julgar o mérito. Então, é importante que entre o julgamento da liminar e o julgamento do mérito, o Congresso Nacional resolva, aprove logo um mecanismo de transparência. E que talvez provoque até a perda do objeto da ADPF (a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, modalidade da ação apresentada pelo PSOL). Porque, se tiver transparência, o meu entendimento é o de que o STF retira a suspensão (da execução das emendas).
Então, tem que dar transparência. Isso não precisava nem ser discutido, sempre foi necessário ter transparência. Tem que inclusive dar transparência a todas as emendas que foram pagas para trás (em exercícios anteriores).
O projeto trata dos exercícios futuros, e não diz nada sobre os anteriores. Só que nove dos 10 ministros entenderam que é preciso também dar transparência ao que já está sendo pago.
Eu não posso legislar para trás. E entendo que a decisão do STF resolve o para trás, e eu apoio (a decisão).
O entendimento de alguns técnicos do governo é o de que as verbas do RP-9 deveriam ir para o marcador RP-2, das despesas discricionárias (não obrigatórias) do Executivo. É uma boa solução do ponto de vista do Executivo, mas nem tanto do Congresso…
Voltar para o RP-2 é voltar para antes de 2020. É ter troca de voto por emenda do mesmo jeito, só que com tudo concentrado no Executivo. Eu já digo isso faz tempo: é melhor descentralizar e colocar uma parte disso distribuído pelo Parlamento do que deixar tudo no Executivo. O que criou a troca de voto por emenda não foi o RP-9. Essa troca já existia. O RP-9 só transferiu uma parte do poder do Executivo para o Legislativo. O Legislativo, hoje, está submisso aos interesses do Executivo, mas amanhã pode não estar.
Como estão as conversas sobre este projeto de resolução? Há um consenso se formando?
Este PLN é da Mesa do Congresso. E não há reunião prevista da Mesa do Congresso. Eu conversei com o presidente (do Senado e do Congresso, o senador) Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que ia apresentar (o projeto), dei ciência a ele. Mas não há consenso sobre isso.
Por André Shalders