Com o tempo, diretora percebeu que, como mulher negra em uma instituição majoritariamente branca, tinha passado por situações traumáticas
Se alguém perguntasse logo depois da sua formatura como Mariama Diallo descreveria sua experiência na Universidade Yale, uma das escolas Ivy League, de elite, nos Estados Unidos, sua resposta provavelmente seria: “Ótima”. Foi lá que ela conheceu seus melhores amigos, teve professores brilhantes, despertou para sua carreira no cinema.
Com o tempo, porém, começou a perceber que não tinha sido bem assim. Que ela, como mulher negra em uma instituição majoritariamente branca, tinha, sim, passado por situações traumáticas. É esse o mote de seu longa-metragem de estreia, Master, disponível no Amazon Prime Video depois de passar pela competição americana do último Sundance Festival, em janeiro.
O título do filme vem de um cargo que existiu em universidades como Harvard até poucos anos atrás. “Master” é uma espécie de bedel, responsável por acompanhar os alunos e ter certeza de que tudo está indo bem nos dormitórios. O título teve origem em universidades inglesas como Oxford. Mas “master” também é a palavra utilizada para os donos de escravos. “Eu tinha um ‘master’ quando estudava em Yale e o chamava assim. Era considerado normal”, disse Diallo em entrevista ao Estadão, por videoconferência. “Demorou anos para eu notar que não era normal.”
Primeira negra
Diallo então imaginou como seria se o cargo de “master” fosse ocupado por uma mulher negra. Gail Bishop (Regina Hall, que será uma das apresentadoras do Oscar no próximo domingo 27) é a primeira mulher negra a ocupar o cargo na fictícia Ancaster College. Ela tem uma relação de cumplicidade, mais do que de afinidade, com a única negra à vista, Liv Beckman (Amber Gray), que tenta uma vaga definitiva entre os professores da universidade. Gail também recebe os novos alunos, incluindo Jasmine Moore (Zoe Renee), uma jovem negra que chega com muitos sonhos e inocência. Aos poucos, ela vai sendo podada por comentários, piadas e ataques mesmo. “Eu vi muito de mim mesma e dos meus amigos e familiares nas situações pelas quais ela passa”, disse Renee. “Mas foi isso que me levou a ser atriz, contar histórias que as pessoas temem contar. Porque elas são necessárias. Quanto mais elas existirem, mais tabus cairão.” Gail, Liv e Jasmine encaram de maneiras diferentes as agressões grandes e micro que enfrentam no dia a dia.
Para a própria Mariama Diallo, não foi fácil pensar em suas experiências dolorosas na universidade. “Mas, ao mesmo tempo, foi curativo e necessário, porque agora minha experiência na faculdade está completa”, afirmou a diretora, que resolveu lidar com esses temas por meio do terror.
Jasmine fica com um quarto considerado mal-assombrado, e seus momentos entre os outros alunos também vão se tornando cada vez mais aterrorizantes. “As mulheres sempre foram protagonistas em filmes de horror”, disse a cineasta. “Mas, ainda assim, em geral eles foram dirigidos por homens. Por isso é importante as mulheres ocuparem esse espaço atrás das câmeras, dando mais complexidade e profundidade a essas personagens, para que sejam mais do que apenas cheerleaders correndo de sutiã.”
Por Mariane Morisawa