‘This Much I Know to Be True’, de Andrew Dominik, mostra a parceria do cantor com o músico Warren Ellis e suas transformações após a morte do filho
Andrew Dominik estava no meio da montagem de Blonde, filme sobre Marilyn Monroe estrelado por Ana de Armas, quando Nick Cave o procurou para dirigir o documentário This Much I Know to Be True, que passa em sessão especial no Festival de Berlim. Os dois australianos já eram colaboradores fazia tempo. Em parceria com Warren Ellis, Cave fez a trilha de O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007). Dominik dirigiu o documentário One More Time With Feeling (2016), sobre a gravação do álbum Skeleton Tree, logo após a morte de um dos filhos do músico.
“Nick estava em casa sem fazer nada, porque tinha sido obrigado a cancelar a turnê devido à pandemia”, disse Dominik em entrevista com a participação do Estadão, por videoconferência. “O timing era péssimo, mas eu também estava ficando maluco, isolado para editar Blonde no meio do isolamento da pandemia. Ouvi de novo o álbum Ghosteen, que eu amo, e achei que tinha de fazer.”
O documentário é simples: Cave e Ellis interpretam canções de Ghosteen (2019) e Carnage (2021), com o apoio de alguns músicos e backing vocals em um prédio em ruínas. Marianne Faithfull participa de uma das músicas. A atmosfera é intimista, mas o desenho de luz e a fotografia de Robbie Ryan são sofisticados. Entre um número e outro, o processo de criação de Cave e Ellis e sua relação complexa entram em foco.
Também sobra espaço para Nick Cave mostrar seus projetos paralelos, sejam as cerâmicas que representam a história do diabo ou o blog em que responde a perguntas filosóficas e doloridas de fãs. “Nick está muito bem psicologicamente”, disse Dominik. “Tudo o que ele fala neste filme é sanidade pura. E ele é uma pessoa muito mais legal do que costumava ser.” O cineasta acredita que o músico passou por uma grande transformação. E o próprio Cave admitiu que, hoje, a carreira vem depois de sua família e de seu crescimento como ser humano.
Para Dominik, essa convivência com Nick Cave e Warren Ellis foi benéfica. “Eu teria passado seis semanas completamente isolado, o que não seria bom para minha sanidade”, disse. As duas semanas de preparação e os cinco dias de filmagem de This Much I Know to Be True, em meio a amigos, boa música e histórias hilárias, foram um respiro mais do que bem-vindo, já que, como o próprio diretor admite, Blonde é uma produção exigente.
Blonde baseia-se no romance de Joyce Carol Oates que reimagina Marilyn Monroe, misturando fatos de sua vida e carreira com uma meditação sobre a cultura da celebridade e Hollywood. O filme, estrelado por Ana de Armas, teve sua estreia adiada pela Netflix, mas Dominik disse que toda a controvérsia sobre falta de entendimento entre as partes foi exagerada. “Na verdade, eles têm apoiado bastante o longa e chegaram a oferecer oito meses de janela nos cinemas para passar em competição em Cannes”, disse o diretor. A lei francesa impede que produções sejam lançadas diretamente no streaming ou que não respeitem a janela dos cinemas. Para a Netflix, são 15 meses entre as salas e a plataforma. A falta de acordo impediu a participação da Netflix nas últimas edições do Festival de Cannes.
“Além disso, eles também estão me deixando lançar um filme com classificação NC 17”, disse ele, referindo-se à classificação indicativa mais restritiva, que costuma atrapalhar a carreira comercial dos filmes. O cineasta acha a classificação injusta. “Euphoria é muito mais explícito”, disse.
Dominik também elogiou Brad Pitt, com quem trabalhou em Jesse James e que é um dos produtores de Blonde. “Ele se preocupa com o filme e quer protegê-lo. Ele tem uma atitude muito generosa sempre”, disse Dominik.
Por Mariane Morisawa