Deputado apresentou projeto um dia antes de o presidente reenviar ao Congresso proposta do ‘excludente de ilicitude para policiais’ e a ampliação da lei antiterror
A mais nova iniciativa do bolsonarismo é um projeto de lei que pretende isentar de Imposto de Renda os profissionais da segurança pública. É isso mesmo. Policiais não pagariam mais o imposto. Para agradar a sua base, vale tudo, inclusive tratar os demais cidadãos deste País como pessoas de segunda categoria, condenadas a entregar dinheiro ao Fisco para sustentar o privilégio das corporações.
Diz o autor da ideia, o deputado Gurgel, eleito pelo PSL do Rio e hoje no União, segundo o portal da Câmara dos Deputados: “Segundo a Constituição, a segurança pública é dever do Estado. Nesse sentido, nada mais justo que os profissionais que atuam nessa área sejam isentos do IR, visto que os seus rendimentos provêm desta atividade, que é essencial à existência do Estado.” O fato de todo cidadão renunciar ao uso da força para resolver seus conflitos – em troca de ter a vida protegida pelo Estado – não torna o policial merecedor de isenção do impostos.
Jair Bolsonaro pensa diferente. Ele reapresentou ao Congresso o projeto já rejeitado pelos deputados no começo da Legislatura: o excludente de ilicitude, que nada mais é do que um cheque em branco para delegados e oficiais acobertarem os maus policiais, aqueles que matam. É preciso lembrar que as corporações não desejam tal coisa, como bem lembrava o senador major Olímpio (PSL-SP), morto por covid-19 no começo de 2021.
Não é coincidência que Eduardo Bolsonaro seja o maior opositor do programa de câmeras nos corpos dos policiais, adotado pelo secretário da Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo Pires de Campos. O policial honesto não precisa esconder o que faz; ele deseja a câmera para evitar o desacato e provar a legitimidade de seus atos. Quem tema a transparência são os que se misturam a milicianos e ao crime organizado.
Outro presente para bandidos fardados que Bolsonaro quer retomar é obrigar que eles cumpram penas necessariamente em prisões militares. A medida beneficiaria criminosos como os policiais que sequestraram e assassinaram o menino Ives Ota, de 8 anos. Ives foi morto por reconhecer um de seus algozes, que era segurança do pai do menino, o comerciante Masataka Ota. Condenados a mais de 40 anos de prisão, os dois PMs envolvidos no crime foram expulsos da corporação.
Em 2020, a Corregedoria do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo decidiu que todo policial expulso da PM devia deixar o presídio militar Romão Gomes e seguir para um presídio comum. A lógica é que o Romão Gomes deve ser reservado a militares e não a bandidos. E, se o policial escolheu ser bandido, que vá conviver com seus pares. Em São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária tem uma penitenciária que recebe ex-policiais e ex-guardas, seguindo a mesma lógica que manda separar estupradores dos demais presos.
A cadeia ali é igual à dos bandidos comuns. Todos cortam o cabelo, tem as mesmas regras e restrições. Comem a mesma comida. O ex-PM Florisvaldo de Oliveira, o Cabo Bruno, cumpriu sua pena no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, depois de fugir duas vezes do Romão Gomes. E quem o mandou para lá foi a PM. É contra isso que Bolsonaro se insurge. Mas um presidente não devia beneficiar bandidos, nem tratá-los como coitadinhos.
O pacote de Bolsonaro na Segurança esconde ainda outro velho desejo do presidente: ampliar o tipo penal do terrorismo para usá-lo contra movimentos sociais. Foi Eduardo Bolsonaro quem disse querer tipificar como terrorismo a ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). “Se for necessário prender cem mil, qual o problema?” O problema é que já existem leis contra os crimes no campo. Basta cumpri-las.
O bolsonarismo diz querer enquadrar como atos terroristas “o emprego premeditado de ações violentas que geram risco à população, com fins ideológicos e políticos, que atentem contra o patrimônio público ou privado”. Como sempre haverá provocadores disponíveis para governantes autoritários falsificarem episódios de violência em qualquer passeata da oposição, o que o projeto faz é deixar exposto à cadeia todo aquele que se manifestar contra Bolsonaro, do MBL ao MST. É preciso lembrar que, para Bolsonaro, o jornalista Vladimir Herzog se matou no DOI-Codi?
Não é à toa que, ao se mostrar como candidato à reeleição em evento eleitoral do PL, no domingo, Bolsonaro voltou a elogiar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Na Guerra do Paraguai, o general Osório, o patrono da Cavalaria, foi o primeiro brasileiro a atravessar o Rio Paraná e a pisar no país de Solano Lopes. Era 16 de abril de 1866. Ele escreveu aos soldados: “Não tenho necessidade de vos recordar que o inimigo vencido e o paraguaio desarmado ou pacífico devem ser sagrados para um exército composto de homens de honra e de coração”. Quem louva Ustra, esquece Osório.
O que o bolsonarismo faz é aproveitar uma velha queixa de policiais e de militares: a de que a sociedade não lhes presta homenagens em razão de seus sacrifícios. É impossível não se emocionar com a entrada dos veteranos da FEB no pátio do 6.º Batalhão de Infantaria Leve, em Caçapava, nas comemorações da vitória em Fornovo di Taro. Ou ainda segurar as lágrimas ao ler as cartas dos filhos de policiais mortos depositadas no Mausoléus da PM paulista. Toda sociedade deve honrar seus heróis. O que não se deve é confundir o extraordinário com o simples cumprimento do dever. Nem criar privilégio que revela a índole do político que o concede e só desprestigia quem o recebe.