É recente a decisão de Bill de Blasios, prefeito de Nova York, ao decretar que a cidade se tornaria a primeira no seu país a exigir vacinação de todos os funcionários do setor privado, além de comprovante de imunização de crianças a partir de cinco anos para frequentar locais fechados. Curioso é que essa decisão ainda causa dúvidas na opinião pública mundial, retomando uma discussão, inclusive entre os brasileiros, sobre a legalidade da iniciativa.
No Brasil, ainda que a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão manter suas próprias convicções filosóficas, religiosas, morais e/ou existenciais, é preciso ressaltar que os direitos da sociedade devem prevalecer, sempre, sobre os direitos individuais, não sendo legítimas, portanto, escolhas pessoais que atentem contra os direitos de terceiros.
Isto posto, e certos de que a vacinação em massa é o meio mais eficaz de erradicação de uma série de doenças, dentre as quais a Covid-19 se inclui, é preciso imunizar uma parcela significativa da população a fim de ser atingida a chamada “imunidade de rebanho” e então, com ela, vislumbrarmos o fim (ou, ao menos, uma melhor administração) desse estado pandêmico em que vivemos há mais de 1,5 ano, com a retomada gradativa e necessária da tal “normalidade”.
Justamente por isso, é preciso que a maior parcela possível da população se vacine, pois, do contrário, todo o esforço público e científico até aqui para combater a pandemia terá sido em vão, posto que os fins pretendidos não serão atingidos e, com isso, problemas diversos continuarão nos assombrando em todas as frentes, sejam clínicas, econômicas, emocionais e/ou afins.
Assim, tem-se que a compulsoriedade desse processo de vacinação é legítima – inclusive nos ambientes de trabalho – de forma a assegurar a proteção à saúde coletiva, tal como já decidido pela Justiça. Nesse sentido, tratando da questão, o STF já deliberou que Estados, o Distrito Federal e os municípios integrantes de toda a Federação detêm autonomia para realizar campanhas estaduais ou locais de vacinação, podendo, inclusive, impor medidas restritivas a quem se opuser, dentre as quais destaca-se (mas não se limita), a aplicação de multa, o impedimento de se frequentar determinados locais etc.
E essa legitimidade quanto à promoção do controle vacinal se aplica também aos empregadores em geral, o que se dá por força também de uma previsão constitucional denominada “Princípio da Solidariedade”, já que a CF/88 não garante liberdade às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas!
Com isso, as empresas devem perseguir um tratamento isonômico e profissional na condução do tema, instituindo uma campanha interna que os conscientize sobre a importância da submissão à vacina, posto que só assim:
(i) eles (trabalhadores) deterão segurança no trabalho quanto à possibilidade de drástica diminuição no contágio ao vírus;
(ii) é de responsabilidade do empregador garantir um ambiente saudável para seus empregados e, portanto, exigir o passaporte vacinal é ato compatível com as obrigações que lhe são impostas por força do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) e, ainda,
(iii) não mais haverá ameaças à interrupção da própria operação havida naquela empresa e, com isso, há maior garantia de manutenção de todos os postos de trabalho lá existentes, o que se reflete na promoção de uma economia local mais estável e eficaz, por assim dizer.
Ainda assim, se nesse trabalho de coleta e controle de comprovante de vacinação a empresa se deparar com a resistência imotivada de algum profissional lá lotado, esta deve reforçar para ele, especificamente, todas as benesses advindas da vacina, concedendo-lhe mais uma chance para que ele possa então, em querendo, tomá-la e se autoimunizar, sob pena de, em caso contrário, sofrer as consequências legais dessa sua inquestionável insubordinação e/ou indisciplina.
E, por fim, transcorrido esse prazo adicional acima mencionado, caso o profissional opte, unilateral e imotivadamente, por manter-se mais uma vez resistente à vacinação, pode a empresa então demiti-lo por justa causa, posto essa modalidade demissional já ter sido declarada, pela Justiça do Trabalho brasileira, legítima nessas circunstâncias, eis que as relações de trabalho são subordinadas juridicamente, o que justifica a medida então tomada pelo empregador…
Resumindo, o fato é que de acordo com o nosso ordenamento jurídico nacional, o interesse coletivo se sobrepõe ao particular e a vacinação no Brasil é compulsória, de modo a ser tomada por todos.
Não se pode forçar ninguém a tomá-la, mas, em contrapartida, pode-se (em verdade, deve-se) punir o resistente, justamente como forma de se proteger a coletividade que cumpriu com o seu dever de promoção da segurança e da saúde. Aliás, aqui prevalece a máxima de que a vacinação é uma via de mão dupla, cabendo às autoridades governamentais disponibilizarem, gratuitamente, vacinas comprovadamente eficazes ao combate do vírus (e, salienta-se, todas aquelas disponíveis no Brasil foram testadas e certificadas pela Anvisa como eficazes).
Vacinar-se é garantir a própria saúde e segurança e, mais que isso, impedir que a pessoa possa se tornar um propagador do vírus na sociedade, de modo que, sob tal premissa, vacinar-se é, sobretudo, um ato de empatia e de prevalência do interesse público sobre o particular.
Por Estadão