Por Gabrielle Tavares
Há mais de um ano com o ensino on-line, estudantes de Campo Grande ainda sofrem com a falta de acesso à internet e dificuldades de aprendizagem, principalmente na fase de alfabetização.
Na Comunidade Mandela, na região norte de Campo Grande, poucas famílias têm acesso à internet e a computadores. Os adolescentes que estão cursando o Ensino Médio ou Fundamental chegam a sair de casa para conseguir acompanhar as aulas on-line, como explica a representante da comunidade, Greicieli Naiara, de 26 anos.
“Quem precisa usar a internet tem de ir para casa de algum parente. São poucas as mães que têm internet aqui, então elas estão mandando os filhos para as casas dos avós, porque eles precisam de desenvolvimento melhor. Aí na hora que eles terminam, eles voltam”, afirma.
São cerca de 175 famílias que vivem no local, com 250 crianças de 0 a 11 anos. A rede pública de ensino disponibiliza apostilas para os alunos que não têm acesso à internet, mas, além dos mais velhos que precisam acessar a rede para assistir às aulas, as crianças em fase de alfabetização também são prejudicadas.
“As crianças vão ter um grande prejuízo, porque a fase de alfabetização só é possível presencialmente. Não tem como ensinar uma criança de 6, 7 anos a ler e a escrever a distância. A gente vê com muita preocupação. Não que eu seja favorável à volta às aulas, porque não pode mesmo, é uma questão de biossegurança, mas as crianças vão ser muito prejudicadas”, explicou a professora aposentada Anamaria Santana da Silva, de 58 anos.
A professora foi uma das pessoas que resolveu se voluntariar para dar aulas para as crianças da Comunidade Mandela durante a pandemia. “A gente faz um pedacinho, que é uma gotinha no oceano. Eu adoro, estou desde o ano passado e gosto bastante, mas é uma gotinha”, ressalta.
Walisson da Silva, de 6 anos, é uma das 55 crianças atendidas pelo projeto que surgiu com a ajuda da organização Amparo Move a Esperança (AMA). Ele está cursando o primeiro ano do Ensino Primário, mas nunca pisou em uma escola. “Eu não cheguei a ir para a escola, mas gosto daqui”, conta.
Agata Laisa da Silva, 7 anos, também está aprendendo a ler e a escrever. “Estou estudando para ser polícia. Eu gostava de ir para a escola, eu sinto muita falta, principalmente da minha professora, mas também tenho saudade das aulas de Artes e de aprender a escrever”, comenta.
Já Nalia de Jesus, 9 anos, está um pouco mais avançada na alfabetização, mas diz que depois de um ano sente falta das aulas de Artes, Educação Física, Português e Matemática. “Quando eu crescer quero ser professora, porque ajuda os alunos”, sonha Nalia.
A professora Anamaria enxerga como um período desafiador a volta das aulas presenciais.
“As escolas vão pegar crianças no terceiro ano que não estarão alfabetizadas. Se as secretarias de educação tiverem a sensibilidade de estudar isso, dá tempo de recuperar. Porque a alfabetização é a base de tudo, como ela vai aprender História, Geografia, se não tiver alfabetizada?”, questiona.
Ensino
Na Rede Estadual as Atividades Pedagógicas Complementares (APCs) precisam ser feitas pelos professores em três modelos diferentes: um para as plataformas virtuais, outro para ser impresso e outro com conteúdo voltado para a educação especial.
“Então independente se vai ter aluno que precise de atividades impressas ou não, a gente deixa pronto. Porque pode ser que um aluno que tenha acesso em um bimestre, pode ser que no outro o pai precisou mandá-lo para uma chácara, para casa dos avós, um lugar distante, ou estragou o computador, ou às vezes por condições financeiras não teve como pagar a internet no mês”, explicou a professora Talita Galvão dos Santos, 27 anos.
Ela aponta que o ensino remoto obrigou os professores a saírem da sua zona de conforto e se reinventarem, principalmente acerca das ferramentas digitais, além de aprimorarem as técnicas de ensino.
“Uma das dificuldades encontradas, claro, foi a falta de acesso dos alunos. Entretanto, encontramos alternativas para isso. As atividades tiveram de ganhar versão adaptada para a impressão, mas utilizávamos essa opção como último recurso. Primeiramente, pedimos àqueles alunos que não tinham acesso que, se possível, marcassem com o professor um horário de atendimento, para não haver aglomeração e, na ocasião, ele poderia utilizar o computador da escola e receber auxílio e explicação do conteúdo pelo professor”.