Entrevista com Alexandre Manoel, economista
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BRASÍLIA – O governo vai repetir as pedaladas fiscais caso decida levar adiante a proposta de adiar o pagamento de precatórios (valores devidos após sentença definitiva na Justiça) para bancar o Renda Cidadã, diz ao Estadão/Broadcast o economista Alexandre Manoel, que fez parte do governo Michel Temer e continuou até março deste ano na equipe do ministro Paulo Guedes como secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia.
Para ele, as propostas de “contabilidade criativa” têm surgido dentro do governo e do Congresso porque há uma hesitação no enfrentamento do problema. “Se o objetivo é manter o teto, tem de reduzir despesa obrigatória”, diz. Confira os principais trechos da entrevista:
Como o sr. avalia a proposta de tirar dinheiro dos precatórios para financiar o Renda Cidadã?
Se lermos o julgamento das contas de 2014 do governo de Dilma Rousseff, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou as chamadas pedaladas fiscais, é possível entender essa forma de financiamento via precatórios como uma espécie do gênero pedalada fiscal. As pedaladas refletiram a excessiva discricionariedade do governo no campo orçamentário, em decorrência da compreensão equivocada de que a administração pode tudo no campo das finanças públicas e detém o monopólio da alocação dos recursos do Estado. Com o recente crescimento institucional do TCU e de instituições como a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, já deveria ter ficado claro para todos que a administração pública não pode fazer tudo.
Qual é o risco de empurrar as dívidas dos precatórios para o futuro? Não é o que Estados e municípios têm feito?
Sim, isso mesmo. Vale também mencionar que, do ponto de vista econômico, o efeito disso é similar à postergação de despesa via restos a pagar (despesas não pagas que são postergadas para o ano seguinte), quando esses aumentavam a taxas crescentes. O efeito na dívida pública ao longo do tempo é claro, prejudicando sua sustentabilidade.
Os recursos “economizados” com os precatórios podem formalmente ser considerados fonte de espaço fiscal para bancar um programa social permanente?
Não. O artigo 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal é claro e de simples entendimento: para criar despesa obrigatória de caráter continuado, tem de haver aumento permanente de receita ou redução permanente de despesa. Se o objetivo for criar um novo programa social que caiba no teto de gastos (regra constitucional que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), tem de reduzir outra despesa obrigatória.
O que o governo precisa fazer para tirar o Renda Cidadã do papel?
Precisa aumentar de maneira permanente a receita ou reduzir de forma permanente outra despesa. Se quiser manter o teto no formato atual, terá de reduzir despesa obrigatória, a exemplo do que a equipe econômica já propôs via alteração no abono salarial e no seguro-defeso.
A restrição imposta pelo teto está nutrindo propostas de “contabilidade criativa”? Como coibir?
Desde a administração do presidente Ilan Goldfajn no Banco Central, a comunicação da política monetária (decisão sobre a calibragem da taxa básica de juros para controlar a inflação) tem sido fantástica. Podem até discutir a intensidade, mas jamais a direção dela, que tem sido sempre clara. Esse exemplo tem de ser seguido na política fiscal. As propostas de contabilidade criativa têm surgido porque aparentemente não se quer enfrentar o problema de frente: se o objetivo é manter o teto, tem de reduzir despesa obrigatória. Se não quer manter o teto, tem de deixar claro. As escolhas a serem feitas são duras, mas simples. Não deveriam complicar.
Qual é o risco desse tipo de solução para a credibilidade do País?
Diminuir ainda mais a credibilidade, que já vem ladeira abaixo há alguns meses. Basta observar as taxas dos títulos mais longos, a volatilidade cambial (nesta segunda-feira, o dólar subiu 1,5%, a R$ 5,6390, maior valor desde 20 de maio) e os movimentos da bolsa de valores (A Bolsa brasileira, que operava em alta de mais de 1% até o início da tarde, tombou com o anúncio e o Ibovespa fechou em queda de 2,4%, a 94.666 pontos, menor valor desde 26 de junho), muitas vezes na direção contrária à do mercado mundial.
Os líderes também indicaram o uso de recursos do Fundeb, que está fora do teto, para financiar o Renda Cidadã. É um drible?
Creio que sim, pois a lei diz que, se quiser criar despesa obrigatória de caráter continuado, tem de haver aumento permanente de receita ou redução permanente de despesa. Como temos o teto, a única opção que resta é reduzir despesa obrigatória.
O caminho é a revisão do teto de gastos?
Esse caminho quem tem de apontar são nossos representantes no Planalto e no Congresso Nacional, legitimamente eleitos. Os desafios são claros e com vasto diagnóstico de diversos especialistas. O ajuste proposto pelo atual teto é intertemporal e suave, dado o buraco fiscal que o Brasil convive desde meados da década passada. Se houver desvio de rota nas reformas, com dívida pública e carga tributária já altas, parece-me que não haverá saída diferente de voltarmos com a inflação, pois o buraco fiscal terá de ser corrigido de alguma forma. Um choque inflacionário de 15% a 20% durante uns dois ou três anos corrige o buraco fiscal rapidinho. Espero que essa não seja a escolha, pois a opção de corrigir os nossos problemas fiscais via inflação já foi exercida pelo Brasil em várias outras oportunidades e mostrou prejudicar preponderantemente os mais pobres.
O governo admitiu não haver consenso para desonerar folha, mas prometeu não elevar carga tributária. É possível, dado o cenário fiscal?
Eu gostaria de não precisar repetir o passado. Se a solução para financiar a desoneração for via algum tributo similar à antiga CPMF, já sabemos que o cumprimento dessa promessa não será possível, conforme nossa experiência histórica. De qualquer forma, para fazer face ao atual buraco fiscal, alguma recuperação de receita é necessária. O ideal é reduzir os subsídios (gastos) tributários aos patamares de 2005, pois desconheço estudos robustos que mostrem a efetividade da expansão desses subsídios de 2006 a 2014, quando saíram de 2% do PIB para 4,5% do PIB.