Por Renée Pereira
No isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, alguns brasileiros encontraram espaço para ampliar o conhecimento e dar um upgrade no currículo. Os cursos online, com certificação internacional, foram os preferidos durante a quarentena. Alguns procuraram escolas nacionais que já tinham parceria com universidades estrangeiras. Outros foram direto ao mercado internacional e estão fazendo cursos lá fora sem sair de casa.
Embora o País ofereça uma série de programas de alta qualidade, a busca por opções estrangeiras está associada à experiência e à curiosidade para entender a visão internacional, sobretudo, neste momento inédito no mundo, explicam os estudantes. Mesmo online, eles conseguem ter contato com alunos de diferentes países e culturas. Essa possibilidade, num momento de distanciamento social, tem um peso psicológico importante, afirmam especialistas.
“Há uma curiosidade grande para saber o que está ocorrendo do outro lado do mundo”, diz a professora Marta Pimentel, diretora acadêmica da Nova School of Business and Economics, de Portugal. Ela conta que, depois de um primeiro momento de pânico, houve uma demanda por alguns assuntos específicos, como resiliência financeira, vendas online, governança corporativa, cenários e até sobre como lidar com impacto emocional da equipe decorrente da pandemia.
Com o campus fechado e os cursos intensivos suspensos, a escola criou módulos de curto prazo para tratar os assuntos em plataformas digitais, com custo entre € 500 a € 950 (R$ 3.050 a R$ 5.795). O objetivo foi criar conteúdos práticos, com mentoria, para atender as necessidades do momento, diz Marta. Os programas têm duração entre 3 e 13 horas mais trabalhos extras. “Essa carga horária menor permitiu que a comunidade brasileira aqui em Portugal e no Brasil fizesse nossos cursos durante a pandemia e ampliasse suas habilidades.”
Apesar de serem online, muitos programas têm exigências semelhantes aos de um curso presencial, como graduação e proficiência em inglês. É o caso da London School of Business and Finance (LSBF) e London Academy of Trading (LAT), da Global University Systems (GUS) – parceiro da escola de negócios brasileira Trevisan. Durante a pandemia, um dos cursos mais procurados foi o de trading, voltado para quem tem interesse em se tornar um profissional da área ou para quem quer saber investir seu capital. O curso pode custar entre R$ 1.964 e R$ 6.087.
No programa, os alunos conhecem diferentes técnicas de trading e como elas são usadas no dia a dia por profissionais do mercado financeiro. Há módulos teóricos que ensinam análise técnica e fundamentalista e sessões com simulador em tempo real. Na parceria com a Trevisan, o curso sai quase pela metade do preço comparado ao mercado internacional (ver quadro), afirma a gerente de Desenvolvimento de Negócios da GUS, Diana Oliveira. O programa tem módulo para uma, quatro ou 12 semanas.
DENTRO DA SALA DE AULA OU EM CASA
Diante da nova realidade mundial e da receptividade em relação aos cursos online, algumas instituições estão inovando no desenvolvimento de produtos para os estudantes. A IE University, da Espanha, criou o chamado liquid learning, em que os estudantes podem assistir às aulas de forma presencial ou online. O mesmo vale para o professor, que pode estar na sala de aula ou não.
Antes, mesmo no MBA Online, havia a obrigatoriedade de o estudante passar algumas temporadas em um país para fazer aulas presenciais, explica o professor Newton Campos, representante da universidade no Brasil. “Agora o estudante pode assistir ou não as aulas presenciais. E eu posso dar a aula na sala ou de forma remota.” O primeiro curso nesse novo formato começa em setembro. A universidade também criou opções de cursos de curta duração, com carga horária de um mês, voltados para liderança do executivo durante e pós-pandemia.
“Agora o estudante pode assistir ou não as aulas presenciais. E eu (professor) posso dar a aula na sala ou de forma remota”
Newton Campos, representante da IE University no Brasil
A Fundação Dom Cabral também oferece MBAs com módulos internacionais de forma online. A escola tem programas em parcerias com escolas de alto padrão no exterior, como a HEC Paris, ESADE – Espanha e ESMT – Berlim. “Algumas de nossas parceiras realizarão os módulos presenciais no exterior, mas diante de tantas incertezas relacionadas inclusive à abertura de fronteiras, os nossos participantes estão optando e valorizando a experiência de cursar esses módulos internacionais online, que estão sendo oferecidos como alternativa ao presencial”, afirma Marcele Gama, gerente de Desenvolvimento de Executivos e responsável pelas parcerias internacionais do Executive MBA da Fundação Dom Cabral.
Durante a pandemia, outras universidades importantes, como Harvard e MIT, também ofereceram cursos de curta duração de graça. Esses programas têm um controle menor e qualquer pessoa, com alguma fluência no inglês, consegue fazer. Normalmente são cursos com conteúdos gravados, com material para fazer download, e que ficam disponível nas plataformas das universidades. A variedade de cursos é grande e pode incrementar o currículo dos profissionais.
QUEBRA DE PARADIGMAS
Na avaliação da especialista em educação à distância Carolina Costa Cavalcanti, doutora em educação pela Universidade de São Paulo e professora convidada da Fundação Dom Cabral, como em outras áreas, a pandemia do coronavírus quebrou resistências no ensino. “Até então a visão persistente no mercado era de que cursos à distância são de má qualidade e inferiores aos cursos presenciais”, diz a professora, que já escreveu tese sobre o assunto.
Com a pandemia, tanto as escolas como os estudantes tiveram de se adaptar rapidamente a uma nova realidade. As instituições de ensino, diz, foram obrigadas a buscar caminhos para resolver o problema. Alguns conseguiram encontrar soluções bastante eficientes e outros ainda estão nessa caminhada. “Este momento trouxe a oportunidade de experimentar coisas novas. E muitos estão se surpreendendo com o resultado.”
DESEJO ANTIGO
“Nunca imaginei que pudesse fazer uma aula do MIT de graça”
Sempre que tinha oportunidade, o historiador Alexandre Bueno visitava o site do Massachusetts Institute of Technology (MIT) para ver os cursos disponíveis. Até então nunca tinha tido oportunidade e tempo para fazer nenhum deles. Com a pandemia e o home office, veio a chance de colocar em prática o desejo antigo. “Aproveitei o tempo disponível e me inscrevi no curso de microeconomia”, conta ele, que é sócio de uma empresa de energia solar.
O curso é simples. As aulas são gravadas e o aluno pode assistir quando quiser. Além disso, é preciso baixar todo o material de apoio, que, no caso de Bueno, foram cerca de mil páginas. “Esse tipo de curso exige disciplina do aluno. Então, me programei para assistir às aulas a cada dois dias e, no intervalo, ler o material exigido.”
Nesse ritmo, Bueno conseguiu finalizar o programa em seis semanas. Não há provas, mas o candidato precisa responder um questionário sobre o material aplicado e acertar 75% do conteúdo. Esse é um requisito para passar para o próximo módulo. “Achei bastante satisfatório e a didática dos professores, muito boa. Agora, quero fazer um sobre história da arte”, diz ele.
O executivo afirma que sempre gostou de “fuçar” na internet para encontrar boas oportunidades. Em condições normais, diz ele, não teria condições de fazer um curso desses numa universidade tão renomada. “Nunca imaginei que pudesse fazer uma aula no MIT de graça. Já coloquei no meu currículo essa experiência.”
SESSÕES AO VIVO
“Queria saber como um trader pensa”
Francisco Netto estava fazendo uma pós-graduação em Petróleo e Gás quando a pandemia impôs o isolamento social no Brasil. No início, a universidade não sabia se adotaria o modelo online ou se suspenderia as aulas. No meio dessa indefinição, o analista comercial decidiu investir na sua qualificação e buscou um curso de trading, da London Academy of Trading em parceria com a Trevisan. “Já tinha visto esse curso lá fora, mas com a parceria (da Trevisan) ficou mais barato e viável”, diz ele. O preço original do curso feito por Netto era de R$ 7.961. Com a parceria, o valor caiu para R$ 3.437.
O analista, que trabalha numa empresa de petróleo, começou as aulas em abril e demorou um mês e meio para concluir. Ele conta que o programa prevê sessões ao vivo de trading que analisam a movimentação do mercado financeiro simultaneamente e também aulas gravadas que podem ser feitas em qualquer horário. A cada módulo, é preciso fazer um teste. O curso, diz ele, ensina o dia a dia na vida de um trader e passa os fundamentos de análise técnica, fundamentalista e análise de dados macroeconômicos.
Além disso, ensina sobre “trading psychology” e os efeitos disso na performance do profissional. “Esse foi um dos motivos que me levaram a fazer o curso: saber como um trader pensa. Eles são uma parte importante dos meus stakeholders (partes interessadas). Para entender melhor como eles pensam, preferi fazer o curso.” De qualquer maneira, Netto espera um dia usar os ensinamentos em seus investimentos. Hoje ele tem um consultor – uma espécie de personal trainer de investimentos – que o oriente em suas aplicações. “Pelo menos agora entendo melhor a linguagem dele”, brinca o analista, que já fez outros cursos internacionais, mas de forma presencial. “Gosto de estudar. Quando sinto que tem algum gap na minha vida profissional procuro resolver com cursos.”
INTERAÇÃO ONLINE
“Apesar de ser online, consegui trocar experiências com outros profissionais”
Em 2019, Roberto Herrera fez um curso de alta performance em Portugal, na Nova School of Business and Economics. Conheceu o campus da instituição, a metodologia e ampliou sua rede de contatos. Gostou tanto que, quando a pandemia colocou todo mundo dentro de casa em isolamento, imediatamente pensou na escola para algum curso de curta duração.
Naquele momento, alguns assuntos haviam sido colocados em destaque pela instituição como forma de atender à demanda do mercado e dos alunos em tempos de distanciamento social. O que mais atraiu Herrera foi o de Scenario Planning & Thinking, que tem o objetivo de explorar o futuro e repensar a estratégia em tempos de grande incerteza.
O módulo foi feito em duas semanas, com vários encontros virtuais e muitas tarefas individuais. Apesar de ser um curso à distância, Herrera afirma que houve bastante interação com os demais estudantes. “Consegui trocar experiências com outros profissionais”, diz ele, que é sócio em uma consultoria, em Curitiba.
O executivo afirma que o conteúdo aprendido durante as aulas, como a construção de cenários e de estratégias diante da nova realidade mundial, já está sendo aplicado no seu dia a dia. “O curso trouxe uma nova visão de mundo, de oportunidades e também sobre as ameaças que vivemos. Começamos a pensar como ninguém previu tudo isso antes.”
OLHAR ESTRANGEIRO
“É muito rico conhecer pessoas numa época tão conturbada como a atual”
O reitor do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos (Unifeob), de São João da Boa Vista, João Otávio Bastos Junqueira, tinha alguns objetivos quando começou a fazer o curso de Liderança, Agilidade e Adaptabilidade, da Nova School of Business and Economics, de Portugal. Primeiro ele queria ter uma visão internacional do cenário atual. Segundo, tinha interesses comerciais: queria fazer uma parceria com a escola e saber se os cursos eram adaptáveis ao mercado brasileiro.
Ele conta que conseguiu fazer o curso em duas semanas, num total de quatro aulas de três horas cada. “Mas tem muito material para trabalhar em casa.” Segundo Junqueira, embora haja vários cursos bons no Brasil, a busca por uma instituição internacional está associada à troca de culturas e experiência.
“Tinha gente de vários países e isso me permitiu conhecer o olhar estrangeiro sobre o País e sobre nós, brasileiros. É muito rico conhecer pessoas numa época tão conturbada como a atual.” A análise dele sobre o curso online é que a ferramenta é interessante e viável, mas exige disciplina. “Portanto, não serve para todo mundo. Acredito que para a educação executiva funciona bem.”