Muito mais que um feriado no meio desta semana, a data que se comemora a Proclamação da República, 15 de novembro, é um importante marco na construção da democracia brasileira. Nesse processo, houve um capítulo especial: a reafirmação popular da república no plebiscito de 1993. No dia 21 de abril daquele ano, os sul-mato-grossenses, assim como os demais brasileiros, foram às urnas e disseram sim à república, rejeitando o retorno da monarquia. A república foi a forma de governo escolhida por 559.890 sul-mato-grossenses, o correspondente a 66,76% do eleitorado de Mato Grosso do Sul.
Os dias que antecederam ao plebiscito foram de debates, programas eleitorais, discussões calorosas, concordâncias, discordâncias, desconhecimentos e dúvidas nas conversas do dia a dia. O tema, que estava na pauta da sociedade, também era objeto das atividades da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS). No dia 23 de março de 1993, os deputados estaduais da quarta legislatura aprovaram, em segunda discussão, proposta que buscava estimular o aprofundamento do assunto nas escolas.
De autoria da então deputada Marilene Coimbra, o projeto (confira-o na íntegra, clicando na imagem abaixo) tramitou rapidamente dada à aproximação do plebiscito e à importância do assunto. Foi protocolado no dia 16 de março, aprovado em primeiro turno no dia 18 e, em segundo, na sessão seguinte, em 23 de março. No mesmo dia, o então presidente do Parlamento, deputado Cícero de Souza, encaminhou a proposta ao Executivo. O governador Pedro Pedrossian (1928-2017) sancionou em 30 de março e, no outro dia, estava publicada no Diário Oficial a Lei 1.357/1993, que institui a “Semana de Estudos e Debates sobre o Sistema e a Forma de Governo, que será objeto de consulta plebiscitária no mês de abril próximo”.
Semanas depois, no feriado de 21 de abril, uma quarta-feira, 838.632 sul-mato-grossenses foram às urnas, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E 559.890 ou 66,76% decidiram pela permanência da república como forma de governo. A monarquia contou com a preferência de 11% do eleitorado sul-mato-grossense, parcela menor que a de votos nulos, que foi de 12,73%. Os eleitores do Estado também preferiram o presidencialismo (58,14%) ao parlamentarismo (23,9%).
E assim, por meio do voto, os sul-mato-grossenses, como o restante do país, ratificaram, simbolicamente, os acontecimentos do dia 15 de novembro de 1889, quando foi proclamada a República. Por decorrência, a escolha popular pela república reafirmou valores democráticos e práticas de cidadania associados a essa forma de governo.
Mato Grosso e os acontecimentos de 1889
À época da proclamação da República, não existia Mato Grosso do Sul – só seria criado 88 depois, em 1977. O seu território integrava Mato Grosso. E foi nesse estado (província na ocasião) que um dos expoentes do movimento republicano, o general Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1892), estava antes da derrubada da monarquia em 15 de novembro de 1889.
Conforme narram Hilbebrando Campestrini e Acyr Vaz Guimarães em História de Mato Grosso do Sul, Deodoro da Fonseca foi enviado por Dom Pedro II para Mato Grosso como estratégia para afastar o militar da campanha republicana. Sua missão era “reorganizar as forças militares da fronteira e estudar a implantação da linha telegráfica de Corumbá a Cuiabá”. O marechal já estivera na capital mato-grossense anos antes – inclusive, segundo Campestrini e Guimarães, foi na igreja do Senhor Bom Jesus, de Cuiabá, que Deodoro da Fonseca se casou aos 33 anos.
Em 1889, entretanto, a atenção do marechal estava no Rio de Janeiro. Ele chegou em Cuiabá em janeiro daquele ano, e retornou, sem ordem superior, à capital do Império em 13 de setembro. Dois meses depois, proclamou a República, assumindo provisoriamente a presidência do país. Ainda no dia 15 de novembro, já tarde da noite, assinou o Decreto nº 1. Com essa normativa, as províncias brasileiras se tornavam estados.
Mato Grosso, no entanto, permaneceria como província até 9 de dezembro. Isso porque somente nessa data – 24 dias depois – que a notícia da proclamação chegaria a Cuiabá. Ao tomar conhecimento que o Brasil já não era uma monarquia e Mato Grosso não era mais uma província, o então presidente, coronel Cunha Matos, renunciou. Os principais políticos de Mato Grosso aclamaram governador o general Antônio Maria Coelho.
Campestrini e Guimarães fazem uma nota interessante sobre a demora das informações no Brasil daquela época. Por quase um mês, o governo e o povo de Mato Grosso ignoraram que o Brasil já não era monarquia e chegaram a comemorar, no dia 2 de dezembro, o aniversário de Dom Pedro II. “Para comparar: no dia 20 de novembro do mesmo ano, a Argentina e o Uruguai reconheciam o novo regime”, informam os autores.
Brasil e os pilares da “coisa pública”
Neste 15 de novembro, completam-se 134 anos da Proclamação da República. As diversas gerações de brasileiros viveram “vários brasis” nesses anos todos: o Brasil do voto de cabresto, do coronelismo, da ditadura do Estado Novo, do populismo, da Ditadura Militar, da luta pelo retorno do voto direto, da redemocratização, da Constituição de 1988, das conquistas sociais e econômicas.
O Brasil, que já foi “Brazil” (foi grafado com “z” até 1931) e que já se chamou “Estados Unidos do Brasil” (só mudou em 1967), é a República Federativa do Brasil, que se sustenta em pilares firmados como cláusulas pétreas na Constituição de 1988: a forma federativa (os estados têm autonomia política e administrativa); a separação dos Poderes (que são independentes e harmônicos entre si); o voto direto, secreto, universal e periódico; e os direitos e garantias individuais. São fundamentos que buscam assegurar que a “República” seja, realmente, a “coisa pública”.
Por: Osvaldo Júnior Foto: Aline Kraemer