Esses dias recebi a ligação de uma amiga. Diagnosticada com câncer de tireoide no meio do ano, ela não contou para quase ninguém – mesmo dentro de sua família. Conversamos por um bom tempo sobre esse tema, e, ao final, ela disse que abriria o jogo aos poucos: para sua família primeiro e, em breve, também nas suas redes sociais.
A decisão entre abrir o jogo ou não sobre um diagnóstico de câncer com pessoas conhecidas esbarra em vários aspectos. Falar a respeito torna o problema real. Além disso, há a perspectiva do outro: se ainda estamos fragilizados, como lidar com alguém que pode chorar ou fazer perguntas que não estamos preparados para responder? E sempre há os “sem noção”, que acabam fazendo comentários desnecessários (inclusive, aqui tem algumas dicas sobre o que não falar para um paciente com câncer).
Ainda assim, mesmo colocando prós e contras na balança, acredito que falar sobre seu diagnóstico de câncer é sempre a melhor opção. Tudo, claro, respeitando seu tempo e escolhendo o momento mais propício. Veja por quê:
Esconder um problema tão delicado demanda um gasto desnecessário de energia
Como já disse aqui, você tem que ser sua prioridade a partir do momento que recebe o diagnóstico de câncer. O que significa que quimioterapia, exames, cirurgias, entre outros procedimentos, vão se colocar à frente de eventos de família, viagens, reuniões de trabalho. Fazer malabarismo para esconder a razão da sua ausência pode causar ainda mais estresse e ansiedade, coisas que o diagnóstico já traz naturalmente. Por que adicionar um problema a mais?
Contar sobre seu diagnóstico vai trazer mais empatia das pessoas ao seu redor. É natural que nesse período você experimente emoções diversas: pode ficar mais distante, sensível, nervoso… As pessoas vão entender as razões para eventuais destemperos se elas sabem o que está acontecendo. Isso também vai tirar de suas costas qualquer sentimento de culpa por ter faltado a algum evento ou por um longo período de ausência.
Não caia na armadilha de ‘não quero preocupar as pessoas próximas, por isso acho melhor não contar’.
Claro que não quereremos preocupar as pessoas mais sensíveis da família. Mas, em vez de esconder, escolha o momento certo para contar. Eu, por exemplo, só comecei a falar a respeito do meu câncer de mama quando soube exatamente como seria o meu tratamento.
Minha avó tem 91 anos. Está lúcida e bem de saúde, mas falar para ela do meu diagnóstico demandaria cuidado. Por isso, esperei chegar perto da data da minha cirurgia para contar a ela o que acontecia, com calma e delicadeza. É claro que ela ficou preocupada – mas esconder não seria justo, nem pra ela, nem pra mim.
Mulheres, de modo geral, se sentem na obrigação de não demonstrar fraqueza frente à família, para proteger os filhos ou as pessoas mais velhas. Mas o apoio deles será fundamental durante o tratamento, que se estende ao longo de meses. Falar sobre esse momento vai aproximar vocês – além disso, eles não vão reclamar em te ajudar (e você vai precisar de ajuda). Só vantagens.
Peça ajuda para contar
Eram muitas pessoas no meu círculo para contar sobre meu diagnóstico antes deste blog ir para o ar. Repetir a mesma história muitas vezes é desgastante e cansativo, então minha estratégia foi contar para pessoas-chave e pedir para elas serem meus “porta-vozes”. Minha mãe contou para os familiares, e chamei algumas amigas para contarem em seus respectivos círculos de amizades. Funcionou bem: ninguém se sentiu excluído e eu não fiquei sobrecarregada.
Recebi apoio genuíno de pessoas que eu nem imaginava. Fiquei mais forte a cada telefonema, a cada mensagem de apoio, a cada presentinho. Muitos deles me pegaram em dias que eu estava mais fragilizada e me ajudaram a sorrir. Se dê essa chance também.
Você pode ajudar a conscientizar as pessoas próximas e queridas
Quando contamos no nosso meio, o câncer deixar de ser algo que “só acontece com os outros” para ser algo palpável, próximo. Contar sua experiência pode ser o empurrão que faltava para pessoas queridas finalmente fazerem aqueles exames que estão atrasados. Lembre-se: informação é para ser compartilhada.
Além disso, ao contar as pessoas se sentem à vontade para compartilhar também suas histórias. Isso alivia a sensação do “por que logo eu?”. Você vai descobrir que muito mais gente ao seu redor passa ou passou por algo semelhante.
Contar do seu diagnóstico não te obriga a responder tudo o tempo todo sobre a doença
Não é porque você contou que está em tratamento que você tem a obrigação de responder qualquer pergunta sobre a doença, o tempo todo. Estabeleça limites e seja honesta: “estou contando sobre minha condição, mas não quero que me pergunte sobre isso pois me causa angústia”. Ou “por favor, não me pergunte mais nada; quando eu sentir a necessidade de falar te procuro”. Dessa forma, você não ficará sobrecarregada com perguntas fora de hora. E se a pergunta vier, seja franca: “desculpe, prefiro não falar sobre isso agora, mas obrigada por sua preocupação”.
Não passe por isso sozinha
O sentimento de solidão é comum em quem está em tratamento de câncer. Afinal, a partir do diagnóstico a vida se transforma, tanto na rotina como nas mudanças corporais. Externar os sentimentos é importante, mesmo que seja em forma de choro, como explica Raquel Lacerda Dantas de Farias, psicóloga no Instituto Integra Saúde e pesquisadora do AC Camargo Cancer Center.
“O choro é uma maneira de aliviar a angústia”, diz ela, que também recomenda conversar com um profissional sobre esse momento. Fazer terapia pode ajudar a entender esse turbilhão de sentimentos e sensações que se apresentam nesse período.