Por Aline Lira
O Rio Paraguai, oitavo maior em curso de água da América do Sul, passa por momento crítico com o pior nível de curso da água dos últimos 50 anos. A situação agravou o avanço do fogo, no período de estiagem, que já queimou cerca de 27% do Pantanal desde janeiro deste ano, o que equivale ao tamanho do Estado do Rio de Janeiro.
Diante deste triste cenário e considerando a perspectiva do Instituto Nacional de Pesquisa e Estatística (Inpe) – de que se as chuvas iniciadas nesta semana tiverem continuidade ao longo do mês de outubro haverá volume suficiente para eliminar os focos de incêndio nas próximas semanas – Comissão Externa que Acompanha as Queimadas em Biomas Brasileiros (Cexquei) promoveu a reunião “Os impactos da crise hídrica na região pantaneira”, na última quinta-feira (15), a fim de discutir políticas públicas que possam evitar problemas socioambientais decorrentes da escassez de água.
“Uma coisa é sabermos que existe o período de estiagem e que isso não pode ser controlado pelo ser humano. Outra coisa é não estarmos preparados para enfrentar esse tipo de situação. Por isso, independente do que acontece na natureza, é necessário que a gente tenha políticas públicas que permitam enfrentar a estiagem, não só na questão do combate às queimadas como também na preservação e uso racional das nossas fontes de água”, defende o deputado Vander Loubet (PT-MS), único representante de Mato Grosso do Sul na Comissão.
Melhores informações – Uma notícia positiva, inclusive, foi exposta na reunião a respeito das atividades da Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA). É que foi decidido pela permanência da Sala de Crise do Pantanal – Alto Paraguai.
“A agência decidiu que, cessada a crise, essa sala vai continuar a existir, como sala de acompanhamento. Só muda o enfoque. Aí, deixamos de ficar discutindo questões mais temporais [focos de incêndio], mais imediatas, para discutirmos medidas de médio e longo prazo”, explicou o superintendente de Operações e Eventos Críticos da ANA, Joaquim Gondim Filho, que destacou a importância desse instrumento, “Traz as melhores informações disponíveis sobre o que está acontecendo. Então, instituímos para a região uma sala de crise, a Sala de Crise do Pantanal – Alto Paraguai. Nessas reuniões, trazemos as melhores cabeças da área de meteorologia, de recursos hídricos, das áreas sociais. As populações tradicionais têm acesso a essa sala de crise.”
Por mais que as chuvas já estejam chegando ao Brasil Central, o que inclui o Pantanal, o Inpe evidenciou a necessidade de observar os índices de chuvas e períodos de estiagem, a médio e longo prazos, para se pensar em políticas públicas. As precipitações – ou a falta delas – influem diretamente nos níveis dos rios, bem como em problemas de assoreamento, abastecimento de água, capacidade de navegação, preservação de espécies etc.
Outro ponto levado à Comissão foi a necessidade de reaver a ANA para a sua antiga pasta, o Ministério do Meio Ambiente, e a importância de dar a voz à comunidade local (indígenas, quilombolas, homem pantaneiro) para entender demandas específicas e com isso fomentar a educação ambiental e a produção sustentável.
“O governo federal simplesmente levou a ANA e todo o Sistema de Recursos Hídricos para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Esse foi um erro crasso. O silêncio se justifica porque ninguém sério quer ficar debaixo do ministro Ricardo Salles. Então, o que aconteceu foi que nós mudamos a concepção da gestão de água no Brasil. De uma visão sustentável, que caminha na integração dos seus diversos fatores, partimos para uma visão fragmentada e utilitarista da água, com gestão simplesmente para o feitio de grandes obras”, evidenciou o especialista em recursos hídricos Vicente Andreu Guillo.
Diálogo – Tratando-se da importância do uso da água, a diretora-geral da organização Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan), Dr.ª Áurea da Silva Garcia, trouxe em sua fala a importância de promover o diálogo com as comunidades locais. “O Rio Paraguai, assim como seus afluentes, tem sua importância marcada desde a captação de água até outros usos – agora, em especial, com o Programa Corredor Azul, fortalecer as associações locais. E, aqui, trago o exemplo do protagonismo da Associação dos Brigadistas Indígenas da Nação Kadiwéu. Foram várias tentativas de furar poços, inclusive profundos, mas não foi possível a captação. E a alternativa deles foi cuidar, buscar recuperar e olhar a nascente.”
A ideia de Áurea vai ao encontro do pensamento da pesquisadora da Embrapa Pantanal Dr.ª Débora Calheiros. “As comunidades tradicionais, os guatós, os pescadores e a pecuária tradicional precisam da saúde ambiental do sistema. A pecuária tradicional necessita dos cursos de inundação também para renovação de pastagens. Uma atividade que é importante para a economia regional, mas está sendo mudada para pessoas de fora da região, que estão desmatando profundamente. O nível, no caso de supressão das gramíneas nativas, está enorme, e há substituição por braquiárias, por espécies exóticas. Então, é importante que se tenha um processo legal com base técnica, porque isso está sendo feito sem qualquer critério.”
Quanto aos trabalhos da Cexquei, mesmo com o possível fim da estiagem, a deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) é categórica: “A Comissão não diminuirá o seu ritmo de trabalho em função do término dos incêndios. Torcíamos para que os incêndios cessassem, e, a partir daí, pudéssemos nos debruçar fortemente sobre essa questão, a fim de que essa tragédia não ocorra no ano 2021 e nos anos vindouros”, concluiu ela, que agendou a próxima reunião para quarta-feira (21), às 9h30 (horário de Brasília). Dessa vez o assunto pautado será “Atuação do Ministério Público e órgãos de Fiscalização Ambiental.
Participaram da reunião sobre a crise hídrica representantes da ANA, Embrapa Pantanal, Mupan, ONG Westlands, Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá e Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc).