Eduardo Laguna
As multinacionais brasileiras estão recorrendo a filiais no exterior para recompor buracos abertos em seus caixas pelo choque do coronavírus. Num refluxo de capital sem precedentes a um período tão curto de tempo, empresas com negócios fora do Brasil repatriaram, desde a chegada da pandemia, US$ 30,6 bilhões que estavam em subsidiárias internacionais. Pela cotação de fechamento de ontem, a cifra, que entrou no País de março a junho, beira os R$ 160 bilhões.
Deste montante, US$ 19,9 bilhões vêm da venda de participações em negócios no exterior – ou seja, desinvestimentos em subsidiárias onde grupos sediados no Brasil detêm, ou detinham, mais de 10% do capital.
Para especialistas, a maior propensão dos investidores a assumir ativos de risco – alimentada pelo contexto de alta liquidez e juros em mínimas históricas – abriu uma porta de saída em mercados internacionais que está sendo usada num momento em que as empresas precisam de caixa.
Nas estatísticas atualizadas mensalmente pelo Banco Central (BC) desde janeiro de 1995, março, abril e maio deste ano aparecem entre os quatro meses com maior registro de desinvestimentos de companhias brasileiras no exterior. Trata-se, portanto, de um movimento que ganhou proporções atípicas no período de maior impacto da pandemia do coronavírus na economia.
Outra fonte de liquidez, que também bateu recordes na atual crise, é a transferência do lucro obtido pelas multinacionais brasileiras no exterior. Nos últimos quatro meses, US$ 6,8 bilhões irrigaram o caixa das empresas sediadas no Brasil por este canal, sendo março e abril os meses com os maiores registros nas estatísticas do BC.
Para completar, outros US$ 3,8 bilhões chegaram via transferências feitas na forma de empréstimos das filiais a suas matrizes no Brasil. Esta é uma corrente que costuma ganhar força em períodos de crise ou incertezas, quando o custo de capital fica comparativamente caro no País e as empresas correm atrás de fontes mais baratas no exterior.
Os números, que constam do balanço de contas externas do BC, já descontam os fluxos que saem na direção contrária: os investimentos feitos por companhias brasileiras no exterior e as amortizações de empréstimos feitos no passado pelas filiais. Ou seja, as transferências estão em valores líquidos.
De volta pra casa
A leitura de analistas que acompanham movimentos de empresas no exterior é de que a pandemia, com a consequente paralisação de atividades consideradas não essenciais na fase de quarentena, levou as empresas a “trazer para casa” recursos que não estão sendo aproveitados no exterior, já que investimentos também foram congelados em mercados internacionais.
Fora isso, com o dólar valorizado, acima de R$ 5, há um incentivo para as empresas internalizarem esses recursos, já que a transferência traz ganhos cambiais.
“Junto com a crise, que afetou brutalmente o caixa das empresas, temos um quadro de juros baixos e alta liquidez internacional fazendo o mercado ser mais comprador neste momento, o que, consequentemente, facilita as transferências de capital. Ao mesmo tempo, há disponibilidade de recursos acumulados após anos de internacionalização das empresas. Agora, num momento de insuficiência de caixa no Brasil, elas podem resgatar esses dólares a um câmbio favorável. É a tal tempestade perfeita”, comenta Robson Gonçalves, consultor e professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O especialista diz, porém, que o regresso de dinheiro ao Brasil não teria a dimensão que tomou se houvesse uma perspectiva positiva que justificasse investimentos no exterior.
Ondas de transferência de capital das filiais no exterior para as matrizes no Brasil não são incomuns em momentos de instabilidade na política ou na economia. Nesta crise, porém, o movimento chama a atenção pelo volume alcançado em pouco espaço de tempo.
Na última recessão (2015/2016), operações do tipo também ganharam força, porém foram necessários 31 meses – de junho de 2014 a dezembro de 2016 – para as transferências ultrapassarem US$ 32 bilhões. Desta vez, em apenas quatro meses, elas já superavam US$ 30 bilhões.
Oxigênio
“As empresas estão buscando neste momento um balão de oxigênio. Quando a pista for reaberta, ou seja, quando a economia voltar com força, elas querem ter condições de decolar. Então, a ideia por trás dessas transferências não é trazer recursos para a realização de investimentos por aqui. É para manter o capital econômico intacto num período de travessia”, afirma Roberto Dumas, professor do Insper.
De acordo com Marco André Almeida, sócio da KPMG no Brasil, parte da explicação também vem do fato de filiais com acesso a crédito barato no exterior repassarem recursos desses financiamentos ao caixa das matrizes por meio de operações “intercompany”.
“O que vemos desde março é uma movimentação maior das empresas de trazer caixa para dentro de casa, seja por terem recursos disponíveis no exterior, seja pelo momento de câmbio favorável, ou por terem encontrado uma linha de crédito boa no exterior”, diz Almeida.
Segundo o balanço do BC, divulgado na terça-feira com dados referentes a junho, o estoque de investimentos diretos de companhias brasileiras em subsidiárias no exterior caiu para US$ 377,7 bilhões, uma redução, conforme número estimado, de mais de US$ 22 bilhões se comparado à posição de investimento internacional do fim do ano passado.