Por Agência Estado
Não tem aula em zoom ou qualquer outro encontro virtual para ver os amigos de sala, como se tornou comum nas escolas particulares. Na rede pública de São Paulo, o ensino a distância é com aulões padronizados por série, apostilas impressas e lições pela televisão. O jornal O Estado de S. Paulo acompanhou seis famílias na semana passada, a primeira de atividades online das escolas estaduais, que têm 3,5 milhões de estudantes e tinham adiantado férias até então.
Há pais e alunos que sequer sabiam que as aulas haviam começado, outros que tentavam incansavelmente acessar o aplicativo e gente que passou a inventar as próprias tarefas para não deixar o filho sem estudar. No grupo dos que não tiveram dificuldades para entrar no chamado Centro de Mídias de São Paulo, aplicativo criado pelo governo do Estado para as aulas online, está Sara Cristiane dos Reis, de 42 anos.
A advogada tem cinco filhos na rede pública de São Bernardo do Campo. Ela acordou cedo na segunda-feira para não deixar Bento, o mais velho, de 12 anos, perder o começo das atividades a distância.
Na TV da sala, a mãe conseguiu sintonizar as aulas, transmitidas em um canal aberto. As aulas passam também no Facebook e no aplicativo. A primeira foi de Educação Física e Bento não conseguiu acompanhar direito, mas achou que poderia rever depois. Descobriu que não. A Secretaria da Educação ainda trabalha em uma plataforma com as aulas que já foram ao ar ao vivo. “Aparece uma professora que nunca vimos, não se sabe que disciplina será dada”, dizia a mãe, no início da semana.
O formato escolhido pelo governo do Estado foi o de selecionar professores da rede, treinados em abril e que agora dão aulas ao vivo em três estúdios públicos. São 214 aulas por semana, de Português, Matemática, Tecnologia, Ciências. A programação diária para cada série dura uma hora e meia, com duas ou três disciplinas por dia.
Dúvidas são tiradas pelos chats escritos, que funcionam no aplicativo. Uma reclamação comum é de que as crianças e adolescentes falam palavrões e bobagens nos chats, mesmo com os bloqueios. E o aluno não tem relação com o professor da própria escola, algo que o secretário da Educação, Rossieli Soares, afirma que será possível em breve.
Já a recepcionista desempregada Karina Ivo, de 26 anos, ficou sabendo pelo “tio da perua” que havia uma mensagem semana passada na porta da escola estadual onde a filha cursa o 2.º ano, no Jardim Nova Vitória, extremo leste da capital. O recado dizia que dia 28 era o único para buscar as apostilas impressas. “É uma total falta de informação”, conta. Ela também havia entendido que o aplicativo pela internet só funcionaria para alunos a partir do 6.º ano.
Só no meio da semana, Karina descobriu que, sim, também tinha aulas online para crianças da idade da filha Mariana, de 7 anos. Ela não tem Wi-Fi em casa, mas baixou o aplicativo, cujo uso de dados no celular está sendo pago pelo governo. Na primeira tentativa, tela em branco. Na segunda, mensagem de erro, pedindo para tentar mais tarde. “É uma saga.” Karina e a filha acabaram a primeira semana com atividades boladas pela mãe, com papel e canetinha.
A assistente administrativo Andreia de Araujo, de 42 anos, achou tudo “uma bagunça”. Só soube que o aplicativo da rede estadual estava funcionando porque foi avisada pela reportagem, mas não conseguiu acessar. Ela mora na zona norte da cidade, trabalha em um hospital privado e está em quarentena, contaminada com o coronavírus.
Resolveu então colocar as aulas pelo Facebook. Na primeira tentativa, disse que a professora afirmou que a aula seria para o 7.º ano, enquanto a programação falava em 6.º ano, série do filho Guilherme, de 12 anos. “As pessoas perguntavam pelo site para que série era e ninguém respondia, desistimos.”
“A informação não chega, é muita gente. Não tem a escola funcionando, isso faz a diferença, se tivesse, o recado chegaria a 90% dos pais no dia seguinte”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo o secretário Rossieli.
Os dados da secretaria, no entanto, indicam que 1,5 milhão de alunos já se conectaram nas aulas online. Segundo ele, o aplicativo ainda tem instabilidade, mas está melhorando, e as apostilas serão entregues pelas escolas aos poucos, mas não são essenciais para as aulas.
Brincando com galinhas
“Aqui na minha região não está tendo, não”, disse Keila Maria de Jesus, de 27 anos, ao ser perguntada sobre as atividades remotas. Moradora do Jardim Capela, zona sul, Keila vive do Bolsa Família e é mãe de Fabio, de 7 anos, Ashley, de 5, e Melissa, de 1.
Segundo ela, nem as escolas municipais dos menores nem a estadual do maior avisaram sobre como seriam as aulas. “Eles ficam em casa sem fazer nada, vendo TV, brincando com as galinhas.”
Avisada sobre o aplicativo, Keila, que usa a internet do vizinho, tentou baixar, mas não conseguiu entrar nas aulas. Segundo ela, a plataforma exigia um RG, que o filho não tirou.
Na rede municipal, a estratégia da Prefeitura foi a de enviar para as casas das famílias, pelos Correios, apostilas para atividades remotas e dicas para os pais. Keila ainda não recebeu. A doméstica Luana Moura de Souza, de 32 anos, mãe de Sofia, de 4, também não. “Falaram para esperar que a professora iria entregar”, diz.
Já o filho mais velho, Elias, de 15 anos, usa o celular para assistir às aulas da rede estadual. “Pelo menos agora ele saiu um pouco do vídeo game.”