Por Mauricio Oliveira
O que descobrimos
- Devemos conversar abertamente com as crianças sobre as notícias e as consequências da pandemia ou é melhor poupá-las?
- Especialistas defendem clareza e transparência na conversa com os filhos, em linguagem tranquila e apropriada para a idade.
- O momento é uma oportunidade para reforçar nos pequenos a noção de que pertencemos a um todo maior e mais importante do que nossas vontades individuais.
De repente os pequenos, cheios de energia para gastar, se viram obrigados a ficar dentro de casa, longe da escola e do convívio social com os amigos. Soma-se a tudo isso o desafio de adaptação a um novo modelo de estudo e de configuração doméstica: a família está em casa, mas nem sempre disponível para interações e brincadeiras.
Todos os dias são iguais
O cotidiano marcado pela diferença clara entre dias “úteis” e finais de semana se tornou bem mais difuso. Domingos se tornaram muito semelhantes às segundas-feiras, e vice-versa, só que nem os domingos e nem as segundas estão sendo como eram.
A mudança radical na vida das crianças ocorre por culpa de um bichinho invisível e silencioso, mas que pode deixar as pessoas muito doentes ou até mesmo matá-las.
Como explicar tudo isso para os pequenos? Como falar da pandemia, dos temores sanitários e econômicos, da repercussão na vida dos brasileiros e da própria família? Conversar abertamente com os pequenos ou poupá-los o máximo possível da dura realidade?
Conversa aberta e tranquila
“Crianças não devem ser enganadas. Elas são inteligentes e têm alta capacidade de absorção e entendimento”, diz a pedagoga Erika Linhares. Assim, tentar protegê-las completamente das notícias e das preocupações não é o melhor caminho.
Claro que, por outro lado, é preciso tomar cuidado para não apavorar ou criar pânico. “Não se deve fazer isso com ninguém, muito menos com crianças”, observa Erika, que é também gestora de carreiras especialista em comportamento dentro de organizações.
A especialista sugere uma conversa aberta e tranquila, explicando à criança, em linguagem adequada para a idade, o que é a doença e o que é uma epidemia. “Quando a gente diz que é um bichinho que causa uma gripe muito forte e passa muito fácil de uma pessoa para a outra, as crianças entendem a importância de ficar em casa”, diz Erika.
O assunto não deve se tornar onipresente, contudo. Falar o tempo todo da pandemia não é saudável para ninguém, e isso certamente aumenta a ansiedade das crianças. Nos momentos de reunião da família, como as refeições, o ideal é buscar outros temas, mais leves e que remetam de alguma forma a sentimentos positivos, como alegria e esperança.
Preocupação com o todo
Para a neurocientista Claudia Feitosa, os pais devem construir um discurso que não deixe a criança com medo ou com raiva, mas as ajude a entender o que é o bem coletivo e a aprimorar o senso de coragem para enfrentar as dificuldades da vida. Em outras palavras: na medida do possível, fazer do limão uma limonada.
Baseada na linha da psicologia comportamental cognitiva infantil, e da comunicação empática, Claudia sugere uma fala que demonstre que o esforço de todos agora vai ajudar a diminuir o tamanho e a duração do problema, além de salvar vidas preciosas.
A pedagoga Erika concorda que se trata de uma oportunidade para reforçar nas crianças o senso de pertencimento e de coletividade. “Somos uma sociedade muito individualista e estamos vivendo uma situação que pede uma mudança de comportamento em direção de uma preocupação maior com o todo. Afinal, está escancarado o quanto dependemos uns dos outros”, diz.
Empatia e respeito aos limites
Quanto mais as crianças forem informadas sobre o que está acontecendo e qual pode ser o papel delas no esforço conjunto de combate ao coronavírus, maiores são as chances, também, de que elas entendam mais facilmente a necessidade de colaborar com o novo status doméstico – incluindo o fato de que os pais precisam trabalhar enquanto estão em casa.
“O ideal é combinar os horários em que os pais estão trabalhando e não devem ser interrompidos”, diz Erika. Essa orientação vale, é claro, para crianças com idade para entender o que é isso. É esperado, mesmo assim, que elas possam eventualmente quebrar as regras nos primeiros dias, sendo necessário relembrá-las do combinado nos dias seguintes.
Ajustar a agenda dos filhos ao horário dos pais, incluindo nessa programação afazeres como tarefas escolares e filmes, é um bom caminho – embora também seja saudável e recomendado deixar espaços livres, para que os pequenos exercitem o “ócio criativo”. “Tudo isso é importante para que eles aprendam a conviver coletivamente, desenvolvendo a empatia e o olhar em relação ao outro e a respeitar limites”, avalia a pedagoga.
Tecnologia é aliada
É importante, também, criar um espaço de conversa em casa para que as crianças possam trazer suas dúvidas e demonstrar angústias, como a saudade da escola, dos avós ou a vontade de voltar a brincar ao ar livre. Em muitos desses pontos, a tecnologia é uma aliada importante para colocar as pessoas queridas em contato com a criança.
Muitos pais separados decidiram, de comum acordo e em sintonia com as orientações dos epidemiologistas, suspender o rodízio dos filhos. Nessas circunstâncias, deve-se facilitar ao máximo o contato das crianças com o pai ou a mãe que está fisicamente distante. Para amenizar a saudade, pode-se usar a vídeo-chamada do WhatsApp, por exemplo.