Por Aline Lira
Na água, na terra ou pelo ar. Vídeos e fotos que circulam pela internet mostram uma tempestade de cinza e areia no Pantanal, imagens impressionantes que resultam das queimadas recorrentes dos últimos meses na região e que deixam claro que o problema na natureza é tão ou mais sério do que parece. O fenômeno é considerado algo raro, que acontece em erupções vulcânicas e grandes incêndios florestais e que pode gerar problemas tanto na saúde das pessoas como na manutenção das riquezas naturais.
Consciente da possibilidade de problemas desse tipo no Pantanal, a Comissão Externa da Câmara dos Deputados que acompanha as queimadas em biomas brasileiros (Cexquei) vem trabalhando com inúmeras pautas de interesse da população. E nesta semana promoveu uma reunião na quarta-feira (14) sobre os impactos das queimadas na saúde humana.
O colegiado é coordenado pela deputada federal Professora Rosa Neide (PT-MT) e conta também com o deputado federal Vander Loubet (PT-MS), único representante de Mato Grosso do Sul.
“O Parlamento tem feito a sua parte e cobrado do governo federal medidas que possam solucionar definitivamente a tragédia que estamos assistindo no Pantanal. Não podemos passar por uma situação como essa sem tirar ações concretas que possam evitar esses episódios no futuro”, defende Vander.
Apesar do aumento do volume das chuvas nos últimos dias, para preservar e recompor a fauna e a flora do bioma pantaneiro especialistas e parlamentares apontam que será preciso bem mais do que uma força vinda dos céus, no caso a chuva. A ajuda a curto, médio e longo prazo também deve partir dos homens (autoridades e sociedade civil) na terra.
Dentre os vários pontos levados à reunião, intitulada de “Debate sobre a saúde das populações afetadas por queimadas”, merece destaque o fortalecimento do SUS – Sistema Único de Saúde, frente a duas lutas importantes. A primeira, a que propõe manter em 2021 o piso emergencial para a saúde, que em 2020 é de R$ 35 bilhões. A segunda, a que pede a queda da Emenda Constitucional nº 95, que definiu em 2016 um teto de gastos em setores como a saúde até o ano de 2036, ou seja, um congelamento de investimentos de 20 anos.
“Quero reforçar que estamos muito preocupados com a proposta orçamentária do ano que vem, que retira R$ 35 bilhões. Nós estamos defendendo essa proposta feita pelo Conselho Nacional de Saúde [CNS] de piso emergencial para a saúde. Queria chamar a atenção da sociedade para o fato de que é importante nos mobilizarmos para isso. Há uma petição eletrônica feita pelo Conselho Nacional de Saúde. Já estamos chegando a 200 mil assinaturas… Queremos ultrapassar isso”, destacou o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde do governo Dilma Rousseff.
“Diante de todas as questões que o Padilha levantou e de tantas consequências que, ainda, teremos da própria pandemia e outras do SUS, que vem sendo desfinanciado nos últimos anos, é que essa petição pública exige, também, a revogação da Emenda Constitucional nº 95, a ‘Emenda da Morte’. Tem realmente sido comprovado que essa emenda do teto de gastos está gerando mortes em nosso País”, evidenciou o presidente do CNS, Fernando Pigatto.
Agora, com a Covid-19 e os impactos gerados na saúde, educação e economia no Brasil, medidas tomadas no passado podem gerar resultados insatisfatórios no presente. Principalmente, ao considerar os estragos das queimadas no Pantanal e na Amazônia.
Diagnóstico social – Cidades de Mato Grosso que ficam no entorno e dentro do bioma Pantanal têm apresentado muitos índices de doenças geradas pelas queimadas. “Na cidade de Rondonópolis, na última semana, foram fechados os dados dos últimos dois meses. Foram registrados 39 óbitos de pessoas idosas causadas pelo excesso de fumaça e também pela desidratação, por causa das altas temperaturas”, afirmou a presidente da Comissão, deputada Rosa Neide, que complementou: “Temos inúmeras situações em que pessoas concorreram por leitos de hospitais com pacientes da Covid, por causa dos aspectos da tosse seca, das irritações e dos espirros. As pessoas procuraram os hospitais devido à preocupação com a Covid, mas, na realidade, estavam com esses sintomas porque inalaram muita fumaça.”
Em posse dessas informações, a Comissão busca propor medidas que possam ser levadas ao Poder Legislativo (senadores e deputados), bem como à própria União para que ações a curto, médio e longo prazos possam ser planejadas.
Nesse contexto, há a necessidade de se fazer um acompanhamento do pós-queimada a partir de levantamentos de dados epidemiológicos, como frisou a chefe de Biodiversidade da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), Drª. Márcia Chame. “Só seremos capazes de produzir modelos de prevenção e de previsão se tivermos dados de qualidade. Em relação ao Pantanal, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, estamos mobilizando diversas pessoas. Já fizemos uma proposta inicial de começar os trabalhos em três frentes. Uma delas é a avaliação do impacto imediato de curto e de longo prazo com as populações humanas de todas as origens. Os brigadistas também vão ser uma demanda interessante, porque vieram brigadistas de todos os lugares do Brasil para combater o incêndio. Então, é importante também retratar essas realidades.”
Márcia pontuou, ainda, a questão da emergência de zoonoses – termo científico que define doenças que são transmitidas de animais para pessoas, que podem trazer, inclusive, prejuízos econômicos. “Temos que ampliar, na verdade, essa estrutura, utilizando o SUS como base, envolvendo os órgãos ambientais e também os órgãos de desenvolvimento da agropecuária, porque as zoonoses passam dos animais silvestres e domésticos, de criação, para as pessoas. O vírus, se tiver um hospedeiro, vai se colocar de uma maneira bastante interessante. Acredito que nós precisamos avançar nisso.”
Os riscos do uso de retardante no controle do fogo também foi pontuado, com a sugestão de se elaborar uma moção para ser entregue ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministério do Meio Ambiente e gabinete de crise que o governo federal constituiu para o problema das queimadas. “As pessoas têm que ser responsabilizadas pela utilização de um produto como esse, sem tomar os cuidados devidos. Há cidades inteiras sem poder utilizar água na região da Chapada [dos Veadeiros]. O consumo da água e da pesca foi paralisado por 40 dias por conta da utilização desse retardante de fogo”, concluiu o deputado e ex-ministro Alexandre Padilha.