POR LINDA MARSA
Os cientistas estão começando a entender os fatores desencadeantes da reação rara, porém grave, que causa a coagulação sanguínea agora associada às vacinas da Johnson & Johnson e da AstraZeneca contra o novo coronavírus.
Denominada trombose venosa cerebral (TVC), esse quadro ocorre quando são formados coágulos nas veias que drenam o sangue do cérebro, causando derrames ou outros danos cerebrais. Autoridades federais de saúde recomendaram pausar a vacinação de dose única da Johnson & Johnson após relatos de que seis mulheres nos Estados Unidos apresentaram coágulos sanguíneos no cérebro duas semanas após a vacinação. Uma delas morreu; outra foi internada e está em estado grave. A interrupção ocorreu após relatos semelhantes de TVC em pacientes na Europa que haviam recebido a vacina da AstraZeneca.
Coágulos sanguíneos são normalmente tratados com heparina, um anticoagulante amplamente utilizado. Contudo, nessa síndrome, esse fármaco pode agravar coágulos causados pela vacina porque a reação do organismo à heparina produz um aumento de coágulos em vez de uma redução. É por isso que os especialistas afirmam ser fundamental fazer uma distinção entre esses coágulos e seu tipo mais comum e determinar quais quadros pré-existentes tornam algumas pessoas mais vulneráveis ao desenvolvimento de TVC.
Os especialistas enfatizam que aqueles que já tomaram a vacina não devem entrar em pânico. Quase sete milhões de norte-americanos já foram imunizados com a vacina da Johnson & Johnson, o que significa que essas reações adversas são extremamente raras. No entanto a Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) aconselha aqueles que receberam a vacina da Johnson & Johnson a procurar seu médico se sentirem fortes dores de cabeça, dores abdominais graves, dores nas pernas ou falta de ar, todos esses sintomas podem indicar a presença de coágulos sanguíneos.
“Na maioria dos casos, os sintomas graves ficam evidentes — não são sintomas que apenas atrapalham uma boa noite de sono — e ocorrem em um intervalo muito breve, cerca de seis a 14 dias após a vacinação, o que facilita o diagnóstico”, afirma James Bussel, hematologista/oncologista pediátrico da Faculdade de Medicina Weill Cornell, na cidade de Nova York.
Segundo os últimos relatórios, a probabilidade de ocorrência dessa complicação é de apenas uma em um milhão de casos, e os especialistas afirmam que os benefícios ainda superam os riscos de não ser vacinado.
A suspensão na vacinação da Johnson & Johnson foi feita “por excesso de precaução” e devido ao tratamento especial necessário para esses coágulos, segundo declaração conjunta de Peter Marks, diretor do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológica da FDA, e Anne Schuchat, diretora-adjunta principal dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.
A Johnson & Johnson também decidiu interromper os estudos clínicos em andamento e adiar o lançamento de sua vacina na Europa enquanto “trabalha em estreita colaboração com especialistas médicos e autoridades de saúde” e “analisa esses casos com autoridades de saúde europeias”.
“A pausa mundial e a suspensão temporária da vacinação têm por objetivo resolver a questão o quanto antes”, afirmou Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, em uma coletiva de imprensa recentemente. “A questão precisa ser investigada criteriosamente pela FDA e pelo CDC.”
A boa notícia: existe tratamento
Segundo os médicos, quando milhões de pessoas são vacinadas, é esperado que milhares desenvolvam coágulos sanguíneos. Mas a TVC é um caso especial, de acordo com Theodore Warkentin, professor da Universidade McMaster em Ontário, Canadá, e especialista em coágulos raros causados por heparina.
Ele está convencido de que as vacinas sejam responsáveis por esses eventos por diversos fatores. Por exemplo, as complicações ocorreram dentro de uma ou duas semanas após a vacinação, e os coágulos de sangue extremamente raros formados nas veias que drenam o sangue do cérebro são indicativos de TVC. Os pacientes também apresentam um fenômeno duplo de queda na contagem de plaquetas, enquanto grandes quantidades de anticorpos atacam as plaquetas do hospedeiro, um componente do sangue que contribui para a coagulação.
Em dois artigos científicos publicados recentemente no periódico New England Journal of Medicine (NEJM), uma equipe de cientistas europeus e canadenses avaliou diversos casos de coagulação ocorridos na Europa com a vacina da AstraZeneca; uma equipe identificou que esse quadro é semelhante a um efeito colateral incomum, denominado trombocitopenia induzida por heparina (TIH), que é desencadeada por esse fármaco.
Devido à semelhança com a TIH, os pesquisadores denominaram o novo distúrbio “trombocitopenia trombótica imune induzida por vacina (VITT, na sigla em inglês)”.
“A vacina possui uma nítida associação com essa complicação rara”, observa Warkentin, coautor de um dos artigos do NEJM. “Há uma prova definitiva.”
Não se sabe ainda se existem alguns fatores genéticos determinantes ou outras predisposições óbvias que podem tornar as pessoas mais suscetíveis a desenvolver esse quadro. “Pelas pesquisas sobre a TIH, não é possível prever quem desenvolverá esse distúrbio”, explica Warkentin.
O que se sabe é que é mais comum em mulheres mais jovens. Todas as seis pacientes nos Estados Unidos eram mulheres com idades entre 18 e 48 anos, e a grande maioria dos pacientes na Europa tinha menos de 60 anos. Os especialistas ainda não sabem ao certo, mas têm alguns indícios do motivo.
“Ainda não se sabe se os anticoncepcionais orais são o denominador comum”, conta Nigel Key, diretor do centro de hemofilia e trombose da Faculdade de Medicina da Universidade da Carolina do Norte. Ele acrescenta que outras possibilidades podem tornar as mulheres mais suscetíveis a coágulos, como gestações anteriores.
Os sintomas de VITT são relativamente fáceis de identificar e há uma série de exames que podem determinar a presença desse raro coágulo sanguíneo em um paciente.
Um exame de sangue pode determinar se a contagem de plaquetas está baixa, por exemplo, e exames de imagem, como ressonância magnética, podem confirmar se há danos neurológicos. Uma terapia com imunoglobulina intravenosa, um hemoderivado utilizado para suprir deficiências de anticorpos, administrada com anticoagulantes não heparínicos, pode dissolver os coágulos.
“Esse é um quadro sério e suas formas graves podem ser muito perigosas”, conta Warkentin. “Mas existe tratamento.”
Novas informações sobre a causa real
Os pesquisadores estão reunindo informações sobre o mecanismo responsável pelos coágulos sanguíneos ao estudar reações semelhantes à vacina da AstraZeneca, formulada com a mesma tecnologia da vacina da Johnson & Johnson. Em 4 de abril, o EudraVigilance, o banco de dados de segurança de medicamentos da União Europeia, continha relatos de 169 casos de TVC ao todo dentre cerca de 34 milhões de pessoas na Europa e no Reino Unido que haviam sido imunizadas com a vacina da AstraZeneca.
Ainda não se sabe ao certo por que um tipo de vacina causa esses efeitos colaterais perigosos e as outras não, embora alguns cientistas acreditem que a estratégia empregada tanto pela AstraZeneca quanto pela Johnson & Johnson pode ser um dos fatores.
Todas as vacinas atuais utilizadas contra o novo coronavírus foram desenvolvidas para induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos contra uma proteína-chave do Sars-CoV-2, o vírus causador da covid-19. A proteína de espícula está localizada na superfície do vírus e se liga à proteína ECA2 nas células humanas. As vacinas da AstraZeneca e da Johnson & Johnson utilizam fragmentos de DNA para instruir as células humanas a produzir a proteína de espícula. Ambas também utilizam vírus modificados do resfriado comum, denominados adenovírus, para fornecer esses fragmentos de materiais genéticos às células do receptor.
Após receber instruções genéticas, as células produzem as proteínas de espícula. O sistema imunológico considera as proteínas de espícula como corpos estranhos invasores e libera anticorpos capazes de reconhecer os verdadeiros vírus Sars-CoV-2 e os impedem de se ligar às células e infectá-las. Por outro lado, as vacinas da Moderna e da Pfizer-BioNTech utilizam tecnologia de RNA mensageiro para fornecer instruções genéticas para a produção da proteína de espícula e não utilizam adenovírus nem DNA.
Neste momento, acredita-se que a própria síndrome da coagulação seja desencadeada por uma reação intensa do sistema imunológico à vacina, que estimula de alguma forma a produção de anticorpos que ativam as plaquetas.
Alfred Lee, hematologista e diretor do programa de bolsas de hematologia e oncologia da Faculdade de Medicina de Yale em New Haven, afirma que “é uma conjunção muito peculiar de fatores, e provavelmente um mecanismo real específico das vacinas”.