Bruna Aquino, Daiany Albuquerque
Prorrogado por pelo menos três vezes em Campo Grande, o toque de recolher, obrigatório por Decreto Municipal, deixa dúvidas quanto a sua eficácia. Com isso, infectologistas defendem que para melhor resultado sanitário, bem como o achatamento da curva do aumento de casos, as medidas impostas precisam ser mais rigorosas.
Para a infectologista Mariana Trindad, manter o toque de recolher não é tão eficaz, uma vez que há um grande volume de pessoas nas ruas durante o dia, e não no período de validade da medida. “A medida é pouco eficaz, se mantiver o toque e não fizer nada durante o dia, isso no máximo vai inibir festas ou aglomerações em bares, por conta do controle efetivo, não tem pessoal suficiente para controlar, mesmo aplicando multa ou prisão, a população não consegue enxergar isso como delito [sanitário], não temos isolamento na cidade, é mera medida educativa”, disse.
À reportagem, a médica explica que, com o aumento do número de casos, bem como da taxa de ocupação de leitos, é preciso um indicativo de medidas mais restritivas. “Medidas que envolvem desde fechamento do comércio não essencial até o toque de recolher mais cedo, para que haja controle, porque o que nos preocupa é o rápido crescimento da doença, e o foco é não aumentar [a ocupação de] leitos para conseguirmos achatar a curva”, explicou.
A infectologista Rafaeli Cardoso também destaca medidas mais firmes no toque de recolher, como o adiantamento do horário, como era antes. “Geralmente, no horário da meia-noite, quem está nos bares, restaurantes e outras aglomerações já foi embora. Eu acredito que, conforme os casos forem aumentando e as vagas nos hospitais se esgotando, esse horário terá de ser mudado”, contou.
Segundo o boletim epidemiológico divulgado nesta segunda-feira (22) pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), a taxa de ocupação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) pelo Sistema Único de Saúde (SUS) chegava a 64% na Capital. Já na rede particular, na semana passada, a Unimed anunciou que estava com 80% dos leitos do setor exclusivo para Covid-19 ocupados, e a Cassems tinha 63% de ocupação.
O Correio do Estado fez um levantamento dos últimos três fins de semana de junho e apurou que, em média, 879 pessoas estão “burlando” o toque de recolher. Isso porque junho foi o mês em que mais pessoas saíram de casa, segundo balanço da Guarda Metropolitana. Bares e lanchonetes, principalmente aqueles com música ao vivo, voltaram a ficar lotados nas ruas da cidade, e as festas que antes eram divulgadas, hoje clandestinas, voltaram a todo vapor.
Entre as três semanas analisadas pela reportagem, em que foram contabilizadas mais de 2,6 mil pessoas nas ruas, a terceira semana, que compreende o período de 19 a 21 de junho, foi a que mais “deu trabalho” para a Guarda durante a fiscalização. Entre os dias citados acima, quase mil pessoas – ao todo, foram 998 – desobedeceram ao decreto durante a madrugada. As outras semanas duas registraram 814 e 825 pessoas, respectivamente.
Um dos estados que endureceu as medidas quanto ao isolamento social neste contexto foi o Paraná. Em vez de toque de recolher na cidade, o governador do Estado, Ratinho Júnior (PSD), decretou a recomendação para restringir a venda de bebidas alcoólicas e consumo nas ruas entre 22h e 6h em toda a unidade da federativa.
Sobre os dados do toque de recolher e se a Administração Municipal pretende medidas mais rigorosas, segundo o prefeito Marcos Trad (PSD) a Comissão que elabora o plano de prevenção a Covid-19 deverá ampliar o horário de restrição, passado de 0h para 22h.
“Em razão dessa grande quantidade de desrespeitos, o toque de recolher deverá ser alterado. A Comissão deve decidir isso até amanhã”, contou o gestor.
Perguntado sobre outras medidas que a administração tomará para frear o avanço da pandemia, o prefeito prometeu que haverá mais rigor durantes as fiscalizações. “São sempre as mesmas pessoas que burlam as leis e insistem em sair às ruas, então a partir de agora terá mais fiscalização e com a cassação de alvarás”. A medida, entretanto, já estava importa por meio do decreto que estabeleceu o toque de recolher.
Trad também prometeu que uma reunião na noite de ontem, entre os membros da Comissão, iriam definir “medidas mais restritivas” em Campo Grande, porém, o prefeito não quis adiantar quais seriam as alternativas discutidas.
AUMENTO DE CASOS
Sem medidas mais restritivas para Campo Grande, a consequência é a ascensão da curva epidemiológica, segundo especialistas. Dados do boletim epidemiológico divulgado pela SES ontem apontam que a Capital já soma 1.212 casos positivos da Covid-19.
Para o secretário da pasta, Geraldo Resende, o isolamento social, principalmente em Campo Grande, é preocupa e incomoda o governo. “Estamos preocupados, no domingo chegaram para nós imagens de bares lotados, apesar da lei do uso obrigatório de máscara, e do não funcionamento de muitas das atividades não essenciais, os bares, estavam lotados, inclusive inauguração em plena pandemia”.
HISTÓRICO
O toque de recolher foi instituído em Campo Grande no dia 21 de março, passando a vigorar das 22h às 5h. Entretanto, dois dias depois a administração mudou para as 20h, com término às 5h, o que permaneceu até o dia 26 de março. Porém, a partir desta data, o horário foi alterado para as 22h, e no dia 29 de abril passou a vigorar da 0h às 5h, o que continua até então.