Entender o outro é o primeiro passo para aprender a amar
Até os sete anos de idade não me lembro de ter tido pai. Lembro-me do japa que acordava cedo, ia para o trabalho e voltava depois das seis da tarde. E não era muito legal, porque ele se apossava da televisão, um luxo naquela época. Diálogo: zero. E assim passávamos a semana.
Um dia, conversando com minha mãe, perguntei por que ele não gostava da gente, de mim e de meus dois irmãos. E ela me disse: “Sabe, ele não teve uma vida fácil. Foi criado na fazenda pelo seu avô japonês, teve de dar duro desde cedo. Depois estudou em um internato na cidade. Não teve muito carinho de pai e mãe”, me explicou. E ela, gentilmente, me deu um conselho precioso: ele não teve amor, mas você pode dá-lo”.
Aquilo ficou em mim, porque apesar de ele ser um estranho, eu queria muito que ele me visse. Então passei a observá-lo, descobrir o que ele gostava, a seguir seus passos, assistir à TV ao seu lado, até o noticiário que eu não gostava muito.
E, aos poucos, ele passou a me ver. Falar não era muito com ele, mas a gente se entendia.
Passei também a apreciar a pesca, só para estar perto dele. Ficávamos um tempão sem falar nada “para não espantar os peixes”.
Em uma ocasião, numa dessas pescarias, avistamos bem no meio de um lago um grande jacaré morto, a flutuar ao sabor do vento. Daí,me veio a ideia de tirar uma foto e contar uma história de pescador. Papai topou. Levamos a canoa até onde o bicho estava, jogamos uma corda e eu tirei a foto dele pegando o animal “na unha”. Eu não tive coragem, não pelo medo, mas pelo cheiro…ele devia estar morto há um tempão. Assim, aquela foto rodou a família. A gente se olhava e ria do nosso segredo.
Um dia, eu devia ter uns 12 anos, ele me chamou de “filhota”.
-Oi? Não entendi? – E ele me respondeu: eu disse “fi-lho-ta”.
Uau! Aquilo me marcou, foi a coroação de todos os meus esforços para ser reconhecida por ele. Foi tão especial, que eu me lembro até hoje.
E, então, eu entendi que o Amor é algo que a gente aprende e pode ensinar, sem julgamentos.
Entendi também que ele não havia mudado, mas eu tinha.
Assim, eu ganhei um pai de verdade, não o do comercial de margarina, que sorria e abraçava, mas o meu pai que aprendi a apreciar pelo seu jeito peculiar de expressar sua afeição. Eu nunca consegui arrancar um elogio, mesmo quando minhas notas eram boas. Mas eu dava o desconto, porque lembrava que ele também nunca teve isso.
Ao longo dos anos, construímos uma relação de admiração e cumplicidade. Saí de casa aos 17 para estudar fora e nunca mais voltei. Mas eu sabia que ele acompanhava e mostrava para os amigos minhas reportagens, falava das minhas viagens e conquistas, mas nunca perto de mim.
Quando penso nele, meu coração se enche de gratidão.
Hoje, penso em quantas pessoas perdem seu tempo em querer um pai ou uma família perfeita e esquecem da imperfeição que está em cada um de nós, sempre a buscar um relacionamento que no mundo real não tem como existir. Quando ele se foi, não doeu tanto, porque tudo o que eu tinha que falar e fazer por ele, eu fiz.
Mais do que nunca, com a perenidade da vida, não devemos perder tempo com orgulho e mágoas. O tempo de ser feliz é AGORA e se você nunca teve coragem, pegue um telefone, mande um vídeo, faça uma visita e diga para o seu pai, mãe ou alguém que significa muito para você, o quanto ele é importante na sua vida. O Amor é para sempre, já as pessoas, não são!
Por Suki Ozaki