Prestes a finalizar um novo longa-metragem, Eunice Gutman arrebatou corações e mentes no Brasil dos anos 1980 e 90 ao retratar a luta das mulheres brasileiras contra o sexismo a partir de uma mirada que injetava poesia no realismo. Um de seus trabalhos mais aclamados é “A Rocinha Tem Histórias”, laureado com a Margarida de Prata em 1986. No calor da criação, a diretora ganha uma exposição no Rio de Janeiro, na sede da produtora Cavídeo, nas Casas Casadas, na Rua das Laranjeiras 307. Lá é possível revisitar(mos) seu legado por meio de fotos, cartazes, objetos e memórias de uma vida de cinema, celebrado em filmes seminais como “Só no Carnaval” (1982) e “Duas Vezes Mulher” (1985).
O que “A Rocinha Tem Histórias” te trouxe de mais revelador/ encantador sobre o Rio de Janeiro?
Eunice Gutman: O Brasil é um país muito desigual. O Rio de Janeiro recebeu muitas pessoas vindas de muitos estados diferentes, principalmente do Nordeste. As professoras que criaram as escolas comunitárias trazem em suas trajetórias essa marca de lidar com a diversidade de culturas, expressões, a partir de suas vivências e de sua escuta da realidade daquelas crianças, para quem a escola pública ainda não conversava com a especificidade do seu dia a dia, não se sentiam representadas pelos livros escolares oficiais. As crianças escreverem suas próprias histórias nesse projeto, orientadas pelas professoras das escolas comunitárias construídas pelos moradores. Aprenderam a cuidar do espaço da escola e compreenderam que aquele espaço pertence a elas, que é uma conquista. Então, na conversa com as crianças, vi que o afeto estava ali, no dia a dia, e na criação, e no contar suas histórias, e nos medos, e na tempestade, e na chegada da polícia, e no lixão, mas também o galo, na vida na vizinhança. Uma das personagens diz que só conheceu a cidade lá embaixo no asfalto aos dez anos. Esse Rio de Janeiro da comunidade conseguir mostrar um projeto realizado por aquela comunidade, um projeto que deu certo, a partir do esforço e desejo dos próprios moradores. Isso pra mim foi muito importante. E acompanhei também as brincadeiras das crianças, e isso foi acontecendo na realização do filme. Brincadeiras que elas inventavam, um diálogo vivo com a realidade delas.
O quanto sua trajetória como montadora influenciou seu trabalho como realizadora?
Eunice Gutman: A respiração, o ritmo, a escolha de cenas que irão compor o filme. A construção da narrativa com as imagens já filmadas, uma etapa do processo de realização no processo mesmo de fazer. Na filmagem, já começo a perceber uma montagem possível. E depois, sempre estou presente na edição, buscando essa respiração e conversa entre as imagens, e sons, e silêncios.
Que novas vozes femininas mais têm te deslumbrado na arte brasileira hoje, em especial no âmbito da produção audiovisual?
Eunice Gutman: As vozes das mulheres têm se revelado numa participação muito grande e intensa. É bom ver também que as jovens realizadoras seguem essa luta de desbravar caminhos, assumindo, reverberando e transformando a condição da mulher na sociedade.
Quais são seus projetos para o futuro, de filmes, de livros?
Eunice Gutman: Estou terminando um longa-metragem que será lançado entre março e abril deste ano, junto com a Cavídeo. É sobre a luta das mulheres pela conquista da cidadania. Também mais dois projetos em processo.
Por Rodrigo Fonseca