Ao ‘Estadão’, Frederic Ollier, vice-presidente da companhia na América Latina, contou também como a startup está lidando com medidas sanitárias na pandemia
Conhecida pelo serviço de caronas, a francesa BlaBlaCar planeja começar a cobrar pelas viagens que a tornaram conhecida mundialmente no ramo de compartilhamento de automóveis (o car sharing). Por decisão própria, a empresa prefere continuar a operar no vermelho no Brasil, apostando na captação de clientes.
“Não estamos obtendo lucro. Essa é uma escolha da empresa”, conta ao Estadão o vice-presidente de operações da BlaBlaCar na América Latina, Frederic Ollier. “A ideia é monetizar o serviço de caronas em 2023 e colher os frutos do nosso trabalho nos próximos quatro a cinco anos.”
Até lá, a estratégia para operar no azul é apostar no transporte de ônibus rodoviários, negócio trazido pela BlaBlaCar ao País em 2021. É um segmento que está começando a esquentar, por meio de nomes como a brasileira Buser e a alemã FlixBus. Ao contrário dos rivais, que chegam a oferecer frota própria, a francesa conecta empresas certificadas a clientes, fazendo a distribuição de passagens. Hoje, são 120 desses parceiros, que geram receita com comissões cobradas e taxas de conveniência de 10% do preço da passagem.
“Enxergamos um potencial muito grande de migração de passageiros do mundo offline para o mundo online”, diz Ollier, que chefia a divisão rodoviária. “É um mercado gigantesco e tem muito espaço para as empresas.”
Abaixo, leia trechos da entrevista ao Estadão.
Como foram os últimos dois anos para a BlaBlaCar?
No período pré-pandemia, estávamos com uma atuação saudável na plataforma de caronas. Basicamente, a gente movimentou um pouco mais de 5,5 milhões no fim de 2019. Estávamos em um ritmo de crescimento de quase 100% ao ano. E 90% dos nossos passageiros chegavam a nós por boca a boca, sem investimento em marketing da nossa parte. Já na pandemia, vimos uma resiliência muito boa do negócio. Fechamos 2021 com quase 6 milhões de passageiros. Resistimos muito bem. Basicamente, os últimos dois anos foram anos em que a gente continuou agregando uma plataforma de 2 milhões de membros a cada ano. Estamos hoje entre 10,5 e 11 milhões de membros cadastrados na plataforma. De maneira geral, o que foi interessante foi a resiliência do sistema de caronas: retomamos muito rapidamente todas as vezes em que houve lockdown. No longo prazo, acho que conseguimos ainda manter um crescimento de dois a três dígitos por muito tempo.
Qual é a importância do segmento de ônibus para a empresa?
Foi um dos grandes sustentos do ano, porque escalamos muito rapidamente a nossa oferta. Em 2021, assinamos mais de 120 contratos com empresas do setor rodoviário.
Por que entrar no segmento de ônibus? Já existem no Brasil outros dois grandes nomes, a Buser e a FlixBus.
É possível crescer muito aqui. Ainda hoje, no Brasil, mais de 80% do mercado é offline. Enxergamos um potencial muito grande de migração de passageiros do mundo offline para o mundo online. O Brasil é um mercado gigantesco e existe muito espaço para as empresas.
Vocês encaram essas empresas como rivais?
Sob alguns aspectos sim, sob outros não. A BlaBlaCar foca apenas na distribuição de passagens. Trabalhamos unicamente com empresas regulares do setor, o que é um diferencial, porque somos distribuidores de empresas conhecidas no mercado. Mas, obviamente, essas empresas são concorrentes porque tentam oferecer o melhor serviço ao passageiro. Existe uma luta para seduzir esse consumidor.
Começamos 2022 esperançosos, mas tivemos um pico de infecções por causa da ômicron. O que a BlaBlaCar projeta para este ano?
É um ano importante: após ter construído essa base de operadores de ônibus, agora enxergamos como um momento para acelerar essa parte de passagens. Vamos investir em mais comunicação com as pessoas. Em relação à covid, fica difícil prever. Gostaria de dizer que vai dar tudo certo, mas não faço ideia.
Vocês saem prejudicados em um cenário de incertezas? Ou o negócio se provou resiliente?
Uma crise não muda o resultado no Brasil, porque não monetizamos o sistema de caronas. Não cobramos nada do passageiro. Não vai mudar a nossa história em 2022 se a pandemia continuar. A ideia é monetizar o serviço de caronas em 2023.
Como vocês têm feito dinheiro aqui?
Com as passagens de ônibus. Mas não é por não querer. Foi uma escolha feita para incentivar o crescimento da plataforma.
Vocês operam no vermelho?
Não é um vermelho muito problemático. É uma questão de olhar para frente e, provavelmente, investir de maneira mais forte. Eu não usaria essa cor. Agora vamos começar a investir de maneira mais pesada e recolher os frutos do nosso trabalho nos próximos quatro a cinco anos. Não estamos obtendo lucro. É uma escolha da empresa.
A BlaBlaCar tem previsão de quando vai fechar no azul?
Não tenho previsão exata, mas é uma fonte de preocupação nossa. Nosso time local é muito enxuto. Nossos custos de operação são muito baixos no Brasil. O assunto é mais sobre os planos de crescimento do que calcular uma forma de break-even no Brasil, o que não é realmente o problema.
Quais são os protocolos da BlaBlaCar contra a covid?
Recomendamos o uso de máscara em nossas ferramentas. Além disso, reduzimos o número de assentos durante o pico na pandemia para as viagens ocorrerem com mais segurança. Também estamos lançando na Europa um recurso para oferecer a possibilidade de passageiros e condutores divulgarem o próprio passaporte da vacina. Estamos avaliando a possibilidade de colocar isso no Brasil, já que boa parte da população recebeu a vacina.
Por que a empresa não torna o uso de máscara obrigatório?
Em caronas, sempre incentivamos os usuários a usar esse tipo de solução. Também tentamos limitar a quantidade de recursos mandatórios para manter o produto sem restrições gigantescas e para ter uma liberdade responsável para usuários.
A BlaBlaCar quer motoristas e passageiros que não tomam vacinas e não usam máscaras? Outras empresas, como a Uber, já tornam medidas de prevenção obrigatórias.
Os motoristas não são nossos funcionários. Somos uma rede que conecta pessoas. Não temos controle absoluto sobre tudo. Tentamos criar círculos virtuosos para que as coisas aconteçam. Passageiros e motoristas se avaliam na plataforma, então é claro que uma pessoa que tem um comportamento inseguro vai receber avaliações ruins. Queremos que, naturalmente, as pessoas respeitem as regras do jogo.
Por conectar demanda e oferta, a empresa não teria responsabilidade de garantir que as duas pontas tenham segurança sanitária?
O que posso dizer é que o tipo de ferramenta que desenvolvemos, como o passe sanitário, é uma prova de que, sim, nos preocupamos com nossos passageiros e motoristas. É algo importante para nós. Incentivamos o uso da máscara, comunicamos sobre isso. Reduzimos a quantidade de assentos nos carros. Já é muita coisa, na verdade. Mas não podemos controlar o que acontece dentro dos carros nem o comportamento das pessoas. Nosso trabalho é fomentar e incentivar hábitos para que viajem de forma segura.
Por Guilherme Guerra