Democracia, responsabilidade fiscal, inclusão social. Esses são os três consensos da política brasileira de acordo com o livro Brazil In Transition. Seus autores, os cientistas políticos Carlos Pereira (colunista do Estadão) e Marcus Melo, e os economistas Lee Alston e Bernardo Muller, defendem que tais crenças resultam, em certa medida, de traumas nacionais: a ditadura, a inflação e a histórica iniquidade social.
A pesquisa acadêmica que deu origem a Brazil in Transition foi feita em 2013 e 2014. De lá para cá, perdemos o pilar da responsabilidade fiscal no governo Dilma Rousseff. Com Jair Bolsonaro, voltamos ao mapa da fome por “persistente precarização das políticas sociais”, como observou o Estadão em editorial nesta semana. O negacionismo cobrou uma conta de milhares de mortes na pandemia – e, no caminho, fustigaram-se as instituições democráticas.
A tríade “democracia, responsabilidade fiscal e inclusão social” é mais que um consenso brasileiro. Vale para qualquer país, e nada mais é que a expressão do bom senso. Todo governo eleito deveria ser, por definição, favorável à democracia. Cuidado com as contas públicas é obrigação do bom governante. E líderes são escolhidos, antes de qualquer outra coisa, para garantir condições mínimas de cidadania à população.
Tomemos o caso de Portugal que, nesta semana, viveu as eleições mais emocionantes da era democrática iniciada em 1974 – o analista político português David Pimenta faz uma reflexão sobre o pleito no minipodcast da semana. Portugal se ressente de dois traumas: gastança e corrupção no governo de esquerda de José Sócrates (2005-2011), e deterioração da área social quando a direita de Pedro Passos Coelho chegou ao poder (2011-2015).
O governo que lhes sucedeu, a “geringonça” comandada pelo socialista António Costa, trouxe de volta alguma normalidade – nas contas públicas e nos programas sociais. Rui Rio e o próprio Costa, os dois principais candidatos a premiê no pleito de domingo, defenderam programas baseados no bom senso – embora tenham subido de tom na reta final de campanha, como é usual em eleições acirradas.
A esquerda purista acha Costa moderado demais, e a direita castiça vê no socialista o “perigo vermelho” – lá como aqui há os que acreditam em Papai Noel, no homem do saco e na “ameaça comunista”. Na verdade, Costa foi reeleito, entre outras coisas, por ser mais eficiente que Rio em mostrar que representava o investimento social com responsabilidade fiscal. Os eleitores portugueses deram maioria absoluta ao bom senso. Eis uma reflexão útil para os brasileiros que irão às urnas neste ano.
Por João Gabriel de Lima