Os segurados da Previdência Social iniciaram o ano de 2021 sentindo os reflexos da pandemia de 2020 na rotina árdua em busca da concessão dos seus benefícios. O ano está findando, porém, o cenário de atrasos nas análises do INSS, que contribuem para o aumento da judicialização, as dificuldades para agendamentos de perícias administrativas e agora judiciais, em razão da ausência de recursos do Executivo para custear os honorários dos peritos, e a possibilidade de protelar o pagamento dos precatórios federais assombram milhões de aposentados, pensionistas e trabalhadores incapacitados de retorno às suas atividades — cidadãos estes que necessitam de seus benefícios para prover a própria subsistência.
Em relação aos benefícios por incapacidade, até 31 de dezembro de 2021, o requerimento do auxílio por incapacidade, com duração máxima de 90 dias, deverá ser solicitado, através do site gov.br/meuinss ou do aplicativo, com a apresentação de atestado médico e exames complementares, e será pago no valor integral e não no valor de um salário mínimo como ocorreu em 2020.
A Portaria nº. 1298, de 11 de maio de 2021, inovou ao dispor que após a avaliação médica preliminar da documentação, se o perito concluir que as informações são insuficientes ou apresentam erros, o INSS não poderá indeferir o benefício e deverá gerar pendência de necessidade de agendamento de perícia presencial. Após a ciência da comunicação, o segurado terá 7 dias para agendar a perícia através do serviço “Perícia Presencial por Indicação Médica”.
No tocante às perícias em processos judiciais, a Lei nº. 13.876/2019 previu a obrigação do Executivo pagar esse serviço até dois anos após a sua publicação, isto é, até 23/09/2021. Assim, sem orçamento, após essa data muitos processos de benefícios por incapacidade em face do INSS, que necessitam de perícia para determinar se a incapacidade laboral é temporária ou permanente, estão suspensos em todo o País.
Em alguns processos, os segurados custearam o valor da perícia e muitos peritos realizaram perícias sem a certeza de receber os seus honorários.
O Projeto de Lei nº. 3.914/2020, que autoriza o segurado a pagar, a partir de 2022, as perícias médicas realizadas em processos de competência da Justiça Federal contra o INSS, foi aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda análise no Senado Federal.
Tal condição limitará ainda mais o acesso à Justiça e o reconhecimento do direito aos benefícios por incapacidade, que dependem de prova pericial, e os segurados que estão adoecidos, afastados do trabalho, sem renda mensal, fatalmente não poderão suportar o custo da perícia médica.
Em 10 de junho, entraram em vigor os novos prazos administrativos para análise dos benefícios, realizações de perícias e cumprimento das decisões judiciais, definidos no acordo firmado entre o INSS e o Ministério Público Federal e homologado pelo STF em decisão publicada em 10 de dezembro de 2020, nos autos do RE 1.171.152/SC.
O acordo visava agilizar a concessão dos benefícios, porém, os prazos de 45 dias para análise do auxílio por incapacidade temporária e aposentadoria por incapacidade permanente, 60 dias para pensão por morte e 90 dias para aposentadorias das demais espécies, terão início apenas após o encerramento da instrução do requerimento administrativo, ou seja, após a realização das perícias médicas e avaliação social, análise dos documentos, pedido de juntada de novos documentos, e não da data que o segurado realizou o requerimento ao INSS, procedimento que prolonga ainda o prazo definido no referido acordo, o que retarda a concessão dos benefícios.
A demora na concessão dos benefícios é um tema antigo, agravado com a implementação da Reforma da Previdência, os efeitos da pandemia da Covid-19 desde 2020 com o fechamento das agências do INSS, a falta de servidores públicos, e que perdurou por todo o ano de 2021.
Atualmente, segundo o INSS, existem 1,8 milhão de benefícios a serem analisados, com prazos que ultrapassam 100 dias. Porém, o presidente do INSS, José Carlos Oliveira, nomeado em novembro, informou que existem estratégias para regularizar a fila de espera dos benefícios até julho de 2022.
Dentre as estratégias, está a aprovação automática de benefícios, a aceleração da avaliação das condições sociais e físicas de quem pede o BPC, a prorrogação dos contratos temporários e utilização dos servidores públicos emprestados de outros órgãos, pois não há previsão de concurso público para a Previdência Social.
No entanto, é cediço que as regras previdenciárias são específicas e complexas, e utilizar servidores de outros órgãos que não estejam devidamente habilitados, não será a solução, podendo resultar em concessões com erros que fatalmente darão ensejo as revisões administrativas de benefícios.
Com o mesmo objetivo, existe projeto para que a solicitação de pensão por morte e auxílio maternidade ocorra em cartórios. Porém, tal procedimento pode resultar em uma análise superficial das regras, sem a devida orientação para que o segurado faça a melhor escolha e, consequentemente receba o benefício mais vantajoso financeiramente.
Em junho de 2021, o STF iniciou um dos julgamentos mais aguardados sobre matéria previdenciária, desde a conclusão do julgamento da desaposentação em 2016, a conhecida tese da Revisão da Vida Toda.
O julgamento teve voto favorável do relator, ministro Marco Aurélio, reconhecendo a constitucionalidade da tese que permite aos aposentados, com benefício concedido a menos de 10 anos, revisar a aposentadoria para considerar no cálculo a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, quando os cálculos demonstrarem que esta norma é mais favorável do que a regra de transição que prevê o cálculo com base apenas nas contribuições a partir de julho de 1994 até a data de requerimento da aposentadoria.
Os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, acompanharam o voto do relator, favorável à revisão, mas a divergência foi apresentada no voto do ministro Cassio Nunes Marques, e os ministros Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz Fux acompanharam o voto divergente. O ministro Alexandre de Moraes, que irá proferir o último voto, pediu vistas do processo na tarde de 11 de junho e o julgamento foi suspenso, sem previsão de data para conclusão.
Nos últimos anos, o INSS convocou os segurados para diversos pente fino e, em agosto de 2021 seguiu a tradição, e os que recebem auxílio por incapacidade temporária, há mais de seis meses, sem data para cessação e, não passaram por perícia médica nesse período, e os aposentados e pensionistas com benefícios suspeitos de fraude foram convocados para apresentarem documentos para regularização cadastral ou fazer perícia médica. O prazo para agendamento da perícia foi até 11 de novembro. Vale lembrar que não atender à convocação gera a suspensão do benefício e, após 60 dias a cessação definitiva.
A Portaria 1366 de 14 de outubro, suspendeu de outubro a dezembro de 2021 a obrigatoriedade da rotina de comprovação de vida, mas não impediu a realização voluntária pelo segurado nas instituições financeiras e, determinou que a partir de janeiro de 2022 a prova de vida será anual e no mês de aniversário do titular do benefício, preferencialmente por meio de atendimento eletrônico com uso de biometria, ou outro meio definido pelo INSS que assegure a identificação inequívoca do beneficiário.
Em caso de ausência da comprovação de vida no mês de aniversário do segurado, os valores mensais das duas competências subsequentes a tal data irão à instituição financeira com marca de bloqueio, e após o segundo bloqueio o benefício será suspenso. Depois de seis meses de suspensão, haverá a cessação do benefício.
Em 22 de novembro foi publicada a Portaria do INSS nº. 1382, com as novas diretrizes para recolhimento das contribuições efetuadas em atraso ou após o fato gerador dos benefícios pelos segurados contribuintes individuais e segurados especiais que recolhem facultativamente.
Dentre as principais mudanças para o empregado autônomo e microempresário individual, está a regra da contribuição recolhida após a perda da qualidade de segurado não ser computada para carência, e o cômputo desta, após a perda da qualidade de segurado, reinicia-se a partir do efetivo recolhimento de nova contribuição sem atraso.
No entanto, as contribuições efetuadas em atraso, após o fato gerador, independentemente de referirem-se às competências anteriores, não serão consideradas para fins de cômputo da carência, do tempo de contribuição, do Período Básico de Cálculo – PBC e da manutenção da qualidade de segurado. Neste caso, as novas regras também são aplicáveis aos segurados facultativos.
A contribuição em atraso, após a perda da qualidade de segurado, poderá ser computada para tempo de contribuição e também para manutenção de tal qualidade, desde que o recolhimento regularmente realizado, ou seja, migrado do CNIS, seja anterior à data do fato gerador do benefício pleiteado, sendo possível a alteração da data da entrada do requerimento – DER de benefícios programáveis.
Tais regras têm como base a Reforma da Previdência de 2019 e o Decreto 10.410/2020, e poderão atrasar ou dificultar a quitação dos valores pendentes com a Previdência Social e, consequentemente a concessão dos benefícios previdenciários.
Em dezembro, um dos temas mais debatidos é a PEC dos Precatórios, considerada essencial pelo governo para pagar o Auxílio Brasil, que visa ampliar o prazo de pagamento de todos os precatórios federais, como os atrasados do INSS referente aos aposentados e pensionistas, mesmo diante do caráter alimentar desses valores. Fato que resultará em flagrante prejuízo aos idosos e pessoas incapacitadas de trabalhar ou com deficiência que não tiveram o benefício concedido na via administrativa e, ao ingressar na Justiça, após aguardar todo o trâmite processual, serão novamente prejudicados com o parcelamento do pagamento que prorrogará o prazo para receber os valores do seu benefício. Ademais, não cumprir decisão transitada em julgado ofende a coisa julgada, além de ferir princípios constitucionais como o direito adquirido, segurança jurídica e isonomia.
O ano de 2021 termina ainda sob os impactos da pandemia e da gestão defasada do INSS. Verifica-se que as alterações legislativas, mudanças administrativas, realizadas durante todo o ano, não foram suficientes para estancar o atraso na análise e concessão dos benefícios, o maior problema enfrentado por milhões de segurados em todo o País, que recorrem à Previdência visando obter a proteção social nos eventos morte, doença, velhice. Será que, após dois anos de pandemia, em 2022 poderemos esperar uma Previdência Social mais atuante, garantindo de forma mais eficaz o bem-estar social de seus segurados, a geração de renda e a redução da pobreza?
Por Sara Quental