Findas as eleições nas 27 OABs estaduais, repercute o fato de 5 mulheres eleitas presidentes nas seccionais de SP, SC, PR, MT e BA. Ressoa também a eleição da primeira mulher trans como conselheira em GO e de conselheiras representativas da Advocacia Jovem na OAB Nacional, de GO, MT e TO. Relevante ainda é a eleição de tantas mulheres atuantes, inclusive na causa feminina, em cargos decisórios e deliberativos, ecoando vozes e ratificando sua vez.
Realmente, isso diz muito. Longe de qualquer proselitismo feminista, a ênfase dada às eleições femininas de 2021, na maior entidade da sociedade civil organizada do país tem significado progressista, realizador e de esperança, frutífero à advocacia, à cidadania e à incontestável sociedade plural que existe.
Não creio que mulheres são melhores que homens, ou vice-versa. Mas o equilíbrio dos gêneros na liderança de grandes espaços de democracia, cidadania e economia amplia a sustentabilidade, as liberdades, o exercício dos direitos e divide deveres, repactuando novas responsabilidades por todos, contra papéis sociais estamentais.
Isso se constata também fora da órbita dicotômica homem-mulher. A diversidade em geral causa bons efeitos, movimenta comunidades e interesses, como se trabalhasse músculos até então inertes do corpo social, sempre buscando harmonia na construção desse arquétipo.
Essas eleições trouxeram mensagem de evolução, equilíbrio na representação da própria advocacia e nos assuntos debatidos na Ordem, visto que a entidade possui densa capilaridade na defesa da justiça social.
As 5 mulheres eleitas para presidência, e as outras para direção ou conselhos estaduais e federal não se redundam a cabos de guerra de sexos. Elas têm a força da oportunidade de fazerem mais democracia, sempre que distantes do poder autocentrado da lógica de Millôr, de que a ditadura existe quando você manda em mim, e a democracia, quando eu mando em você.
Mais mulheres no sistema podem gerar grandes mudanças. A OAB, casa da democracia brasileira, palco do pluralismo em todos os planos, mesmo entrelaçada com a história da liberdade da nação, é uma das instituições contaminadas pelo machismo estrutural. Basta lembrarmos de Myrthes Campos, a quem foi negada a profissão, por ser mulher, durante oito anos. Assim que deferida sua condição de advogada, tornou-se a primeira de defesa no tribunal, com grandes absolvições e intervenções no foro “moralizadoras”, jamais “prejudiciais”, como esperavam “os portadores dos antigos preconceitos”, como ela disse, em 1906.
Basta ver o reduzido número de presidentes mulheres de seccionais, de diretoras no Conselho Federal, ou que jamais houve uma presidente no órgão de cúpula, em mais de oito décadas de existência da Instituição; e que apenas uma advogada é Medalha Ruy Barbosa, em todo esse tempo.
Obviamente que essa realidade é orgânica. Um sistema eleitoral feito por e para homens, e atuações destacáveis aos homens, dada a ausência numérica de mulheres. Assim permaneceria não fosse a feminização da advocacia desde os cursos de Direito, a reclamar mais inclusão.
Neste propósito, veio o Movimento Mais Mulheres na OAB, em abril de 2015, envolvendo-nos na discussão classista e conscientizando-nos de nosso poder político; o Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada, também em 2015, e depois os estaduais; a Lei Júlia Matos, em 2016, instituindo as prerrogativas da Mulher Advogada, de observância por todos os tribunais; a articulação por mais participação efetiva das advogadas, com cotas de 30% de gênero para o registro de chapas, até que lançado o Paridade, proposição que equiparou as proporções entre homens e mulheres, inclusive em cargos de diretoria, no sistema OAB.
Tal trajetória pela inclusão rompe paradigmas, projetando destaque às eleições femininas na OAB, e a esperança da quebra do machismo estrutural que excluiu naturalmente tantas advogadas no passado, hoje com compromisso de futuro.
Desatados os nós dentro de casa, a OAB poderá contribuir melhor com a cidadania, altivando vozes contra a violência institucional, política e as posições discriminatórias contra a mulher, galgando degraus a mais no desenvolvimento social.
“O grau de civilidade de uma sociedade pode ser medido pelo grau das liberdades das mulheres”, disse Ayres Britto, parafraseando Dostoieviski. As Mulheres de Ordem possuem um suprapapel: o de não se envaidecer do poder, e seguir abrindo portas às outras que virão, aliando a isto, o dever de representar e fazer por toda a advocacia, sem distinções, feudos, cláusulas de barreira; sem cometer o antigo erro da exclusão.
*Ariana Garcia é conselheira federal eleita da OAB e presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-GO
Por Ariana Garcia