A sonda espacial irá explorar um grupo de asteroides que compartilham a órbita de Júpiter e nunca foram observados de perto.
Além do cinturão principal de asteroides, próximo ao gigantesco planeta Júpiter, existem milhares de mundos inexplorados, cada um com até 225 quilômetros de diâmetro, que guardam segredos preciosos da origem do nosso Sistema Solar.
Uma nova missão da Nasa chamada Lucy, lançada em 16 de outubro em Cabo Canaveral, estado da Flórida, estudará asteroides conhecidos como os troianos de Júpiter. Durante sua jornada de 12 anos e 6,4 bilhões de quilômetros, Lucy analisará periodicamente dois grupos de asteroides que seguem à frente e atrás de Júpiter enquanto ele orbita o Sol, passando por um total de sete troianos — bem como um oitavo asteroide bônus no cinturão principal, entre Marte e Júpiter.
“Lucy irá explorar uma região inédita em nosso Sistema Solar”, disse Adriana Ocampo, executiva do programa Lucy durante uma coletiva de imprensa em 14 de outubro na sede da Nasa em Washington, D.C.
As únicas observações dos troianos de Júpiter se resumem a meros pontos de luz no céu noturno; Lucy passará a 965 quilômetros deles. Ao longo do caminho, a missão estabelecerá o recorde de maior número de asteroides visitados por uma única sonda espacial.
Lucy alcançará seu primeiro alvo, o asteroide do cinturão principal, em 2025, e então partirá para os troianos, que serão explorados em uma série de sobrevoos de 2027 a 2033. Dados coletados pela sonda espacial, com detalhes sobre a coloração, composição, densidade e crateras dos asteroides, devem ajudar os pesquisadores a descobrir quando e onde cada um se formou dentro do Sistema Solar.
A missão — apenas a décima a se aventurar até Júpiter — também fará simulações do início do Sistema Solar, ajudando a revelar a origem de nossa vizinhança ao redor do Sol.
Convenientemente, a missão “Lucy” foi inspirada no famoso fóssil de mesmo nome, um esqueleto de 3,2 milhões de anos de um primo ancestral dos humanos modernos. De certo modo, os troianos de Júpiter desempenham o mesmo papel que os ossos desse icônico esqueleto: contêm vestígios do passado distante que podem ser utilizados pelos cientistas para compreender o nosso presente.
“Esses objetos são como fósseis de onde os planetas se formaram”, comentou Hal Levison, investigador principal da missão Lucy e pesquisador do Southwest Research Institute em Boulder, Colorado, em uma entrevista coletiva em 13 de outubro. “Se desejamos desvendar a origem do Sistema Solar, precisamos visitar esses pequenos corpos celestes.”
Um voo para todas as idades
A missão Lucy envolve uma trajetória complexa que coloca a sonda em uma órbita de seis anos ao redor do Sol. Após uma série de sobrevoos da Terra com o objetivo de usar a gravidade do nosso planeta para obter força extra, Lucy voará além do asteroide 52246 Donaldjohanson no cinturão principal — um mundo de quatro quilômetros de largura batizado em homenagem ao paleoantropólogo que descobriu o fóssil Lucy.
Em 2027, a sonda passará então pelo grupo de troianos que segue à frente do planeta Júpiter, voando por cinco troianos de uma só vez. Na próxima passagem, em 2033, ela terá como alvo o grupo que segue atrás do planeta, onde passará por Patroclus e Menoetius, um sistema binário de asteroides.
O intrincado caminho que Lucy trilhará através do Sistema Solar foi cuidadosamente mapeado por Brian Sutter da Lockheed Martin, o arquiteto da missão envolvendo a espaçonave. “A contribuição de Brian não envolve apenas a ciência — ele é um artista”, afirma Levison.
Embora os troianos de Júpiter ocupem duas faixas bastante estreitas do Sistema Solar, eles são extremamente diversos em coloração, tamanho e certos aspectos de suas órbitas, variando de cinza a vermelho escuro, com tamanhos que vão de menos de 900 metros a cerca de 112 quilômetros de diâmetro.
Alguns desses asteroides se assemelham a outros pequenos corpos espalhados pelo Sistema Solar. O Eurybates de aspecto acinzentado, por exemplo, se parece com os asteroides encontrados em órbita no cinturão principal, logo após Marte. Por outro lado, a dupla Patroclus e Menoetius, com sua dança lenta, se parece muito com os sistemas binários do cinturão de Kuiper, uma região além da órbita de Netuno.
“Projetamos nossa missão para investigar a diversidade de objetos nesta população”, disse a investigadora principal adjunta da missão Lucy, Cathy Olkin, também do Southwest Research Institute, em uma coletiva de imprensa em 12 de outubro.
A equipe de Lucy teve que construir uma espaçonave que conseguisse completar a viagem de 6,4 bilhões de quilômetros. No seu ponto mais distante, Lucy chegará a mais de 800 milhões de quilômetros do Sol, onde a luz solar é apenas uma pequena fração do que recebemos na Terra. Lucy precisa de enormes painéis solares: os painéis solares da sonda espacial carregam cerca de oito mil células solares, espalhadas por uma área equivalente a três vagas e meia de estacionamento. Nas distâncias dos troianos, essas enormes placas irão gerar apenas cerca de 500 watts de potência — menos do que o consumido por um micro-ondas doméstico.
Durante os voos, Lucy chegará a 965 quilômetros dos asteroides-alvo a velocidades de quase 24 mil quilômetros por hora, exigindo que seus instrumentos sejam montados em um gimbal extremamente preciso. Durante a abordagem mais próxima de Lucy de cada alvo, sua câmera de maior resolução, chamada L’LORRI, capturará imagens da superfície, distinguindo características de apenas sete metros de largura.
“Os dados obtidos com essa análise detalhada, tanto em termos de geologia quanto de composição, não se comparam aos obtidos quando se observa esses objetos apenas como pontos de luz”, explica Andy Rivkin, especialista em corpos pequenos do Laboratório de Física Aplicada da Johns Hopkins University.
Exércitos de asteroides ao lado de Júpiter
Os astrônomos estimam que centenas de milhares de troianos de Júpiter orbitam ao lado do gigante planeta gasoso. Desde 1906, quando o primeiro troiano de Júpiter foi encontrado, os astrônomos já localizaram cerca de 11 mil desses objetos. Mais da metade deles foi descoberta desde 2010 devido a avanços tecnológicos nos levantamentos realizados com telescópios que varrem os céus noturnos.
Os asteroides foram batizados em homenagem aos combatentes da Guerra de Troia: heróis gregos para o grupo de asteroides que segue à frente de Júpiter e heróis troianos para o grupo que segue atrás. À medida que os astrônomos se preparam para descobrir milhares de troianos na próxima década, as opções de nomes retirados de Ilíada estão se esgotando.
Agora, os recém-descobertos troianos de Júpiter levam o nome de atletas olímpicos da atualidade. Em 2020, a equipe de Lucy anunciou a descoberta de um pequeno objeto orbitando um dos alvos de Lucy, Eurybates. O objeto menor, agora chamado de Queta, foi batizado em homenagem à atleta olímpica mexicana Norma Enriqueta Basilio Sotelo, a primeira mulher a acender a pira olímpica.
Por décadas, esses asteroides foram considerados meros restos da formação das maiores luas de Júpiter. Contudo, nos últimos 25 anos, os cientistas perceberam que os troianos de Júpiter poderiam fornecer pistas importantes sobre o início caótico de nosso Sistema Solar.
O caos dos primeiros dias
Com a ajuda de telescópios localizados na Terra, os astrônomos sabem que os troianos de Júpiter possuem uma variedade de cores, o que sugere que não são todos feitos dos mesmos materiais. No entanto, de alguma forma, esse conjunto de pequenos corpos acabou assumindo órbitas extremamente estáveis ao lado de Júpiter, que são difíceis de ingressar.
“Por compartilharem a mesma órbita de Júpiter, são como testemunhas de tudo o que aconteceu com o planeta”, afirma Simona Pirani, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Copenhagen, que estuda os primórdios do Sistema Solar. E desvendar a história do maior planeta, Júpiter, é crucial para a história de todo o sistema.
Em 2005, Levison e seus colegas do Observatório Côte d’Azur em Nice, na França, publicaram uma hipótese interessante — agora chamada de modelo de Nice — que propunha uma era de caos no início do Sistema Solar.
No modelo de Nice, e em outros cenários semelhantes, o Sistema Solar tinha mais corpos pequenos do que tem agora, e Júpiter, Saturno, Urano e Netuno migraram para o interior à medida que se formaram. Conforme se transformaram em planetas grandes, os movimentos gravitacionais desses gigantes gasosos com minúsculos “planetesimais” modificaram suas órbitas pouco a pouco, até que passaram a ter uma configuração instável.
Por fim, acredita-se que os planetas gigantes tenham espiralado para fora, assumindo suas posições atuais, espalhando diversos pequenos corpos na região externa do Sistema Solar e misturando alguns dos que permaneceram. Algumas teorias até sugerem que um quinto gigante gasoso pode ter sido lançado para fora do Sistema Solar nessa época, contribuindo para o caos.
Júpiter pode ter capturado seus asteroides troianos durante todo esse tumulto, muitos dos quais provavelmente se formaram além de Netuno. O modelo de Nice foi atualizado por teóricos desde sua publicação para tentar explicar em mais detalhes as características incomuns dos troianos. Outros testaram se alguns dos troianos de Júpiter poderiam ter sido capturados ainda mais cedo na formação do Sistema Solar, possivelmente quando o bebê Júpiter tinha apenas o tamanho da Terra.
Mas para testar essas teorias sobre a formação e evolução do Sistema Solar, os cientistas precisam visitar os troianos de Júpiter de perto.
“Estou ansioso para encontrar algo que me surpreenda”, diz Levison. “Não há dúvidas!”
POR MICHAEL GRESHKO