Por Aline Lira
“Com certeza, assim que começar a chover, um grande volume de cinzas vai parar nos rios, gerando, por consequência, um problema seríssimo de mortandade dos peixes”, afirma o deputado federal Vander Loubet (PT-MS), único representante do Mato Grosso do Sul na Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar e promover estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros( Cexquei).
O tema foi levado pelo parlamentar, na última semana, durante uma das sessões de trabalho da Cexquei. Em alerta com o que pode vir, Vander ainda frisa os danos para as pessoas que têm os rios como importante fonte de renda ou de subsistência. “Haverá um grande prejuízo para os povos ribeirinhos, os guatós [indígenas], os quilombolas… Nós vamos viver outro desastre anunciado. Isso é motivo de muita preocupação.”
Este ano, os focos de incêndios foram tão intensos, considerado o mais agressivo dos últimos 50 anos, que cerca de 26% do bioma pantaneiro já foi atingido pelo fogo, o que corresponde a cerca de quatro milhões de hectares, área um pouco menor que a do Estado do Rio de Janeiro.
Se por um lado a água da chuva trará alívio ao solo e clima, por outro, trará preocupações pós-queimadas, já que indiretamente “contribuirá” com um fenômeno conhecido por dequada ou decoada – que é quando a massa orgânica que cobre o solo é levada pela chuva até os rios e entra em decomposição. No caso, as cinzas pegam carona com a chuva e acabam indo parar nos rios, lagoas (baias) ou córregos (corixos).
O fenômeno da dequada é tido como um processo natural. Entretanto, as queimadas constantes fazem com que o processo antes tido como comum se torne um vilão. É que os afluentes podem não dar conta de processar tanta massa que chega aos seus leitos. “Uma parte das cinzas chega até os ambientes aquáticos. Esse material, que é orgânico, para ser degradado vai usar oxigênio dissolvido na água, processo esse que em larga escala pode pôr em risco a vida de muitos peixes, pois essa massa acaba por ‘roubar’ o oxigênio dissolvido na água e, consequentemente, certas espécies de peixes estarão em risco de morte”, explica o biólogo José Sabino, doutor em Ecologia e professor da Uniderp – que também coordena o projeto “Natureza em Foco”.
Impactos e políticas públicas – O processo de decomposição é tão intenso, que a atividade de oxidação da matéria orgânica (cinzas) pelas bactérias é capaz de consumir todo o oxigênio dissolvido na água e liberar o dióxido de carbono livre (CO2 livre), o que inviabiliza a respiração de muitas espécies de peixes.
Daí a importância de não apenas investir no combate ao controle das queimadas, como na conscientização dos riscos do uso do fogo para limpar o solo, áreas de pastagens, que acaba por trazer riscos para o meio ambiente, a exemplo do que acontece no Pantanal e que todos os dias vemos nos noticiários locais e internacionais. “Acredito que devemos nos esforçar para, neste momento desastroso, que é uma vergonha para o Brasil, implementarmos políticas definitivas para que esta situação não se repita e nós equipemos nossas instituições. Nossas instituições não têm equipamento suficiente para combater o fogo, o número de brigadistas é muito reduzido”, frisa o deputado federal Vander Loubet.
Atualmente, sabe-se que o Pantanal abriga mais de 300 espécies de peixes, variedade que pode estar em cheque por conta da degradação do bioma. Piraputanga, piau, pacu, pintado, lambari a até mesmo o famoso dourado, símbolo da biodiversidade aquática do Pantanal, são algumas das espécies que podem sentir os impactos da dequada.
Mais do que apenas viabilizar o combate às queimadas, Vander destaca a necessidade de medidas preventivas pensando nos próximos anos para que não vejamos o mesmo cenário desolador. “Dentro da Comissão temos condições de apontar as soluções, bem como o que precisa ser alterado na legislação. Da mesma forma, é necessário que os ministérios do Meio Ambiente, da Defesa e da Justiça, com as secretarias dos dois estados [MT e MS], construam políticas públicas para enfrentarmos definitivamente este problema que ocorre todos os anos.”
Alternativas – Sem soluções, o problema se agravará ano a ano, situação que pode inviabilizar o bioma de se recuperar. “O Pantanal ainda não acabou, ele vai sobreviver. É importante que tenhamos isso em mente. Porém, é preciso de políticas públicas, com urgência, em várias esferas”, afirma o biólogo José Sabino, que destaca ao menos quatro pontos que o poder público deve incentivar: ações preventivas de combate ao fogo, campanhas educativas, sustentabilidade no agronegócio e apoio à ciência.
“É preciso de uma política preventiva para promover ações de manejo integrado do fogo, ou seja, investir em setores como o Prevfogo [Ibama], ao invés de se fazer cortes absurdos, visto que se antes haviam recursos em torno de R$ 35 milhões, hoje o que se vê é um corte que viabilizou apenas cerca de R$ 9 milhões para este ano, ou seja, um quarto do valor, comumente, destinado na prevenção de incêndios”, complementa o biólogo.
Outro ponto é a questão de campanhas educativas de combate as queimadas e, também, de trabalhar com o discurso de aproximação, e não de afastamento, do setor do agronegócio para que invistam em economia de baixo carbono e demais práticas de sustentabilidade. Além, é claro, de um governo que invista na ciência para ampliar as pesquisas em torno dos biomas brasileiros, pois é preciso pensar que temos um momento diferente, que passa desde problemas de mudanças climáticas até um “boom tecnológico” na sociedade, de modo que biomas como o Pantanal que vemos, hoje, já não é o mesmo de 50 anos atrás.
“Nós precisamos envolver as Forças Armadas nesta iniciativa. Eu tenho certeza de que nós vamos precisar mexer na legislação, como vamos sugerir à Embrapa, instituição que desenvolve um trabalho seríssimo em pesquisa, fazer o manejo correto, por meio de uma política de incentivo”, conclui o deputado Vander Loubet, ao considerar todos os impactos no Pantanal até o presente momento.