Por Virginia Morell
Digamos que somos um pequeno mamífero, como um esquilo, prestes a tornarmo-nos na refeição de um animal maior. Avistamos uma gruta espaçosa ao longe – mas dois ursos enormes já estão a entrar nela. Alguns minutos depois, um deles sai. Será que já podemos entrar em segurança na gruta? Este é o tipo de cálculo que a maioria dos animais enfrenta diariamente em tempo real.
Para além de evitar predadores, a capacidade de ter uma noção quantitativa pode ajudar a resolver uma série de problemas, como encontrar um parceiro, procurar comida e até para fins de navegação.
Agora, numa das análises mais abrangentes de sempre, um cientista reuniu todas as investigações sobre o tema e descobriu que, sejam abelhas, pássaros ou lobos, muitos animais têm a capacidade de processar números – algo que pode ser considerado uma forma de contar.
O novo estudo também sugere que esta capacidade matemática ajuda os animais a sobreviver num mundo brutal. E a descoberta aprofunda o nosso conhecimento sobre a cognição animal, um campo que cresceu exponencialmente nos últimos anos.
“A capacidade de contar já foi considerada uma aptidão exclusivamente humana, talvez devido à associação feita entre capacidade matemática avançada e génio”, diz Lars Chittka, ecologista comportamental na Universidade Queen Mary de Londres (Lars não participou neste estudo).
Mas a investigação, publicada na nova edição da Trends in Ecology and Evolution, “mostra que as capacidades numéricas básicas estão bastante difundidas no reino animal e que podem ser vantajosas na luta pela sobrevivência”.
Bons com números
Para este estudo, o neurobiólogo Andreas Nieder, da Universidade de Tuebingen, na Alemanha, explorou a literatura atual sobre a forma como as diferentes espécies de animais compreendem os números.
Depois de perscrutar quase 150 artigos científicos sobre o tema, Nieder concluiu que “a competência numérica está presente em quase todos os ramos da árvore da vida animal”.
E como seria de prever, a análise também revela que muitas espécies dependem dos números para encontrar comida.
Por exemplo, nos estudos laboratoriais, percebeu-se que os sapos Bombina orientalis dependem de um método chamado “sistema numérico aproximado” para escolherem entre diversos grupos de alimentos. Para os sapos, não há muita diferença entre um grupo com 3 ou 4 alimentos, mas quando os números mudavam para 3 contra 6, ou 4 contra 8, os sapos selecionavam sempre o grupo com o número mais elevado.
E também já foi demonstrado que as abelhas, quando saem da colmeia e viajam até a um campo de flores, memorizam o número de pontos de referência por onde passam, sabendo assim qual é o caminho de regresso a casa. E a formiga do deserto Cataglyphis fortis conta os seus passos para saber a distância a que está do ninho.
E outras espécies, como os lobos-cinzentos, precisam de saber o número exato de animais na sua matilha para caçar presas específicas. Para caçar alces, por exemplo, são necessários entre 6 a 8 lobos, mas para caçar um bisonte, é preciso uma matilha de 9 a 13 lobos.
Os animais caçados pelos lobos também usam os números em seu proveito; os alces dispersam-se em manadas mais pequenas para evitar encontros com predadores, ou reúnem-se em manadas maiores para reduzirem as probabilidades de se tornarem vítimas, uma tática descrita na biologia por “segurança numérica”.
Lutar ou fugir
Muitas espécies precisam de avaliar a força e o número relativo de oponentes antes de lutarem por território ou por um parceiro.
Por exemplo, sabe-se que, antes de optarem por atacar, os grupos de leoas ouvem atentamente os rugidos de outros grupos nas proximidades. Numa experiência realizada no Parque Nacional do Serengeti, na Tanzânia, um grupo de leoas ouviu gravações de uma leoa desconhecida a rugir, motivando o grupo a atacar.
Mas quando ouviram gravações de três ou mais leoas, hesitaram. A melhor forma de prever se as leoas escolhiam aproximar-se ou não residia na proporção entre o número de defensores adultos e o número de intrusos.
“Como é óbvio, estavam a avaliar o número de indivíduos nos seus grupos para situações do quotidiano”, diz Nieder. “Portanto, a capacidade de discriminar números tem fortes benefícios em termos de sobrevivência e de reprodução.”
‘Absolutamente fascinante’
Karl Berg, ornitólogo da Universidade do Texas Rio Grande Valley, em Brownsville, concorda que muitos animais têm “formas sofisticadas de medir ou estimar a abundância”.
Por exemplo, na Venezuela, Berg observou jovens fêmeas de papagaios Forpus passerinus a abandonarem a área onde nasceram, enquanto que os machos não saíam do mesmo lugar. Mas em alguns anos, acontece o oposto.
“As aves decidem ficar ou partir dependendo da abundância de comida e da proporção de género” – o que significa que se regulam pela quantidade de machos e fêmeas, diz Berg. “É absolutamente fascinante que consigam estimar algo assim. Não sabemos como é que fazem isto.”
“O importante em todos estes estudos é descobrir como é que a competência numérica está ligada à condição física, ou seja, ao sucesso reprodutivo durante a vida de um animal”, diz Berg.
“No seu estudo, Nieder alerta que são necessárias mais investigações, mas estas pesquisas são complexas e morosas”, diz Berg. “Se quisermos realmente obter resultados significativos, é algo que só pode ser feito na natureza.”