Por Ricardo Campos Jr.
Levantamento feito pela 2ª Promotoria de Justiça de Chapadão do Sul, a 330 quilômetros de Campo Grande, é prova de que preservação ambiental e agronegócio não só devem como podem conviver em harmonia. Com ajuda de especialistas, o órgão do Ministério Público Estadual (MPE) identificou a existência de 143 nascentes dentro dos limites do município, das quais somente 14 não estavam preservadas.
Faz parte do rol de atividades da instituição identificar áreas degradadas e desenvolver ações para restabelecê-las, seja por meio de acordos ou pela abertura de processos na Justiça para que a situação dos mais teimosos seja ditada nos termos da lei.
A promotora Fernanda Proença de Azambuja acompanhou de perto os trabalhos. A ideia de trazer para Mato Grosso do Sul iniciativa que já era desenvolvida em outros estados surgiu durante um evento em Brasília sobre a crise hídrica pela qual passava o Brasil na época.
Era evidente, segundo ela, a necessidade de intensificar a atuação direta nos cursos d’água, não apenas esperar que denúncias apontassem onde estavam os problemas. Contudo, os dados disponíveis sobre as nascentes de Chapadão não eram precisos, pois haviam sido obtidos por imagens de satélite que nem sempre apontavam os locais exatos dos nascedouros.
PRECISÃO
Foi aí que entrou em cena o engenheiro florestal Raphael Cardoso da Silva, que foi contratado para a missão de chegar o mais perto possível desses locais. Nas áreas em que o acesso era impedido pela própria natureza, ele usou drone para filmar e registrar o ponto em que a água brota do chão. Descobriu que algumas das nascentes apontadas nos dados oficiais sequer existiam, enquanto outras ainda não haviam sido mapeadas.
“Sem necessidade de ir a campo, as imagens eram rodadas em um programa que notava pontos de acúmulo de água similares ou maiores que determinadas quantidades de metros cúbicos. Os dados tinham 237 nascentes. Então nós fomos a campo para identificá-las e descobrimos que o programa não era tão preciso assim”, relata o especialista.
Ao encontrá-las, Raphael passava a verificar as condições ao redor dela para apontar o nível de preservação adotado pelos produtores rurais donos daquela área, como “sistema de conservação e ocupação do solo e dimensionamento da Área de Preservação Permanente (APP). Eu juntava tudo isso em um relatório que era entregue à Promotoria”.
“Foi surpreendente. Nesse intervalo de tempo constatamos que 90% das nascentes de Chapadão estavam preservadas. É claro que mesmo com toda essa precisão ainda se trata de uma amostragem. Eu acredito que existam muitas outras nascentes que ainda não foram catalogadas. Aqui existem cursos hídricos grandes”, relata.
Para a promotora Fernanda Proença, o principal resultado do projeto foi saber que existem produtores preocupados em respeitar a lei e manter as nascentes em ordem sem a necessidade de cobrança.
“Esse índice de 90 % de nascentes preservadas é bastante elevado, ainda mais em uma região conhecida notadamente por sua vocação agropecuária”, pontua a promotora.
Quanto aos casos de degradação, segundo ela, alguns já haviam sido alvos de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), enquanto outros serão objeto de inquérito civil para que, dentro dessa apuração, o proprietário rural seja convidado a fazer um acordo para recuperar a nascente.
Nesses casos, é necessário elaborar um Projeto de Recomposição de Área Degradada (Prada). O inquérito é arquivado e um procedimento mais simples é aberto só para acompanhar a execução dos trabalhos.
VOZ DA EXPERIÊNCIA
O produtor Lauri Dalbosco tem quatro nascentes em sua propriedade de 1,8 mil hectares. Ele chegou ao local em 2004 e encontrou os cursos d’água completamente degradados.
“Nós sabíamos que tínhamos que fazer um trabalho forte de preservação. A primeira coisa foi vedar completamente a área ao redor. A lei estabelece no mínimo 50 metros de vegetação. Onde tinha mais, deixamos do jeito que estava. Onde não tinha, reflorestamos”, conta.
O gado que pasta na fazenda não chega perto dos nascedouros. “O que nos impressionou foi que nos últimos anos aumentou a vazão da água, elas viraram uns córregos. Quando se pisoteia a nascente ela vira um barro, não sei o que ele faz, mas reduz a vazão. Quando você preserva, chama mais água”, relata.
Ele afirma que hoje, com o Código Florestal, agropecuária e meio ambiente podem dar as mãos sem problemas.
“Sobre o produtor que comete crime, tem que ser punido. Há anos atrás não existia lei. Alguém falava que fazia alguma coisa pelo meio ambiente, mas quem não fazia não era punido e o poder público fazia de conta que fiscalizava. Hoje, o código funciona plenamente”, completa Lauri.
Segundo ela, “a crise hídrica revelou a importância de se fiscalizar as áreas ambientalmente protegidas, inclusive e sobretudo as nascentes, de modo a evitar interferências na disponibilidade desse recurso natural tão essencial e, até mesmo, futuro desequilíbrio na sua distribuição”, completa.